Pesquisadores aprofundam em GT da Capes debate sobre uso da EaD e educação híbrida na pós-graduação

por João Marcos Veiga

A Educação a Distância (EaD), o ensino híbrido e o uso de tecnologias digitais têm recebido atenção dentro das universidades e também no âmbito das políticas públicas governamentais. O Grupo de Trabalho específico para o tema, criado através de portaria da Capes, encerrou recentemente trabalhos com proposições específicas para a pós-graduação. A expectativa é que as proposições formuladas coletivamente subsidiem portaria com regras mais claras, abrangendo aspectos como o veto de migração entre presencial e online, o fortalecimento de polos e de estrutura condizente por parte das instituições interessadas.

Três dos integrantes do GT na Capes,  Maria Luisa Furlan Costa (UEM), Katia Morosov Alonso (UFMT) e Sérgio Roberto Kieling Franco (UFRGS), participaram de live do FORPREd, Fórum dos Coordenadores de Programas de Pós-Graduação em Educação da ANPEd, trazendo pontos, históricos e perspectivas importantes desse debate. Todos os presentes na atividade trazem grande experiência em grupos de estudo e redes internacionais sobre o tema, empenhados nessa investigação desde a década de 1990. A atividade, transmitida pelo canal da ANPEd no Youtube, teve mediação de Daniela da Costa Britto Pereira Lima (UFG), coordenadora do FORPREd Centro-Oeste.

Para todos eles, a modalidade traz preocupações naturais, de mercantilização e massificação, mas que não podem servir de argumento para vetar a utilização das Tecnologias Digitais e Educação a Distância, algo já presente no cotidiano das universidades, com histórico no país e com potenciais para capilarização da educação, conquanto se levem em conta regras e propósitos,  sobretudo de preocupação com a qualidade. 

A pandemia trouxe inúmeras experiências com tecnologias a partir do caráter emergencial, mas que não podem ser consideradas como implementação de Educação a Distância ou Híbrida. Ainda sim, destaca-se, naquele período específico, o avanço da internacionalização, com bancas de defesa compostas por pesquisadores de países e instituições distantes e maior troca entre docentes e discentes Porém, junto a isso foi constatado o improviso dos processos e sobrecarga a professores e alunos. De toda forma, o momento atual, colocando essas experiências positivas e negativas em perspectiva, permitem pensar o que vale a pena para a área. 

“Não dá pra pensar que se é EaD não tem qualidade, assim como não dá pra separar mais a pós-graduação da EaD, argumenta Sérgio Franco, que também pontua o quanto as regras devem ser rígidas exatamente para que o ganho pedagógico sobressaia. Maria Luiza Furlan também acredita que é preciso desmistificar a EaD e o híbrido, que sofrem de preconceito em diferentes esferas.  “Usar mais tecnologia nas nossas práticas pedagógicas permite aproximar pessoas que estão distantes, sem eliminar a presencialidade”, diz a pesquisadora. 

Maria Luísa lembra que apesar do tema aparecer como polêmico, trata-se de assunto com grande acúmulo de debates e proposições no país há mais de duas décadas. A primeira delimitação esteve na LDB de 1996, com decretos posteriores de 1998 e 2005. “São legislações que mostram a preocupação de expandir a oferta para além da graduação, também na pós.” No entanto, uma reforma ministerial de 2011 desmontou a Secretaria de Educação a Distância vigente até então, desmobilizando ações e acúmulos de debates. Posteriormente, decreto de 2017 caminhou no sentido de colocar a obrigação da qualidade apenas às universidades ofertantes, sem uma preocupação governamental com a efetivação de pólos e estrutura das IES. Ainda assim, é possível ver ações importantes nessa trajetória, como a criação da Universidade Aberta do Brasil em 2006 e dos primeiros programas de mestrados profissionais a distância, como o PROFIMAT. “Hoje existem mestrados em rede totalmente a distância”, lembra Costa.

Para a pesquisadora da Universidade Estadual de Maringá (UEM), o que deve balizar essa experiência da modalidade a distância na pós é a preocupação com a capilarização, de “levar a educação onde ela não pode chegar” e igualmente com a tutoria e o material didático, além da rigidez para autorizações de EaD às IES. “Tudo que vivemos nos permite fazer experiências piloto em alguns programas. Temos condições de usar a modalidade EaDd e a Educação Híbrida para alguns cursos stricto sensu. Isso exige muito de nós, mas temos condições de corpo docente qualificado, acúmulo de debates e publicações, além de uma agência reguladora reconhecida internacionalmente.”

Na live, Kátia Alonso (UFMT), abordando a questão do híbrido, lembra que existem imprecisões e uma superficialidade, o que ela atribui uma ideia rasa de mescla entre presencial e online ou apenas de extensão a essa modalidade. Por isso, pesquisadores preferem trabalhar com a ideia não de ensino, mas de Educação Híbrida, algo mais amplo. No entanto, segundo Alonso, a publicação de um documento de Diretrizes Gerais sobre Aprendizagem Híbrida, de abril de 2022, trouxe grande preocupação aos estudiosos da área. A proposta fala em regular a “metodologia”, porém sem referência mesmo aos diferentes níveis de ensino e proposições para caminhos para sua viabilização, acesso às TDs e superação de desigualdades sociais. 

Para ela, a pandemia não levou em conta as experiências que já existiam com as tecnologias digitais. “A aprendizagem na cultura digital não é só o uso de tecnologias, mas modos de relação, consumo, sentir e entender. É preciso compreender esse momento e pensar em maneiras colaborativas.” Nesse sentido, a pesquisadora da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) defende uma Educação Híbrida pensada dentro do processo de educação e com formulação curricular, concepções e teorias de aprendizagens que a sustentem. Para tal, um dos caminhos é a adoção de estratégias e metodologias combinadas num continuum de planejamento didático-pedagógico, simultaneidade de espaços, “visando a democratização de acesso, cooperação, colaboração e uma qualidade socialmente referenciada”.

Para Sérgio Franco, as experiências na pandemia trouxeram ganhos como a diversificação pedagógica, adoção de diferentes métodos, trocas, debates, espaços de consulta e interação com alunos, a partir de compartilhamentos entre programas e universidades. “Não podemos perder isso de vista na volta ao presencial.” Por outro lado, ele relembra que as experiências, aceleradas pelo grau emergencial, foram marcadas pela improvisação, despejo e transferência de conteúdo apenas com uma câmera na frente de alunos e professores, em longas e cansativas aulas. Sendo um dos países que mais prolongaram as restrições nas escolas e instituições de ensino superior, ele pontua como a desorganização do governo federal se refletiu na educação emergencial, com transferência de responsabilidade para os docentes.

Pensando no presente e nos debates ocorridos no GT da Capes, ele acredita que as experiências e acúmulos nos colocam próximos de implementar algo mais consistente. O pesquisador também pontua como propostas atuais de internacionalização, a exemplo do que vem sendo feito em sua universidade, junto a países como Cabo Verde, partem da utilização das tecnologias digitais, como webconferências, sem resistência e preconceito percebidos anteriormente à pandemia. 

Para ele, a preocupação com a massificação e mercantilização deve ser levada em conta, por seus impactos reais, sobretudo no ensino participar, capaz de produzir educação de qualidade, porém refém de retorno de lucro a acionistas em momentos de crise. Para tal, a resposta passa não pelo veto da modalidade, mas por regras bem estabelecidas, visando a capilarização para a educação chegar onde precisa, o veto à migração entre o presencial e a distância - para universidades “não apenas salvarem e baratearem cursos” -, a preocupação e manutenção de número de orientandos por professor, uma equipe de apoio (não só um professor e um computador) e espaço para o aluno vivenciar a universidade. “Por isso a importância de se pensar em instituições em rede, em pólos.”

“Nem toda instituição pode ofertar EaD. Temos que pensar exatamente por que ela precisa que o curso seja a distância, com qua ganho pedagógico, não apenas para baratear”, argumenta. Para Franco, a oferta de EaD também pode ser uma forma de inclusão, mas trazendo essas preocupações”. Por fim, o pesquisador defende uma política de bolsas, com liberação de professores para fazerem mestrado e doutorado, para não incorrer em comprometimento psíquico, algo tão presente na pós-graduação.