Seminário de balanço de três anos do PNE aponta que Teto para Gastos (EC 95) inviabiliza a execução do Plano Nacional de Educação

reportagem: João Marcos Veiga e Camilla Shaw

O Auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados, recebeu nesta quarta-feira (5) o Seminário Nacional 3 anos do Plano Nacional de Educação - PNE. O encontro, que contou com a presença de representantes de entidades diversas, dentre elas a ANPEd, deveria ter a função de realizar um balanço da implementação da histórica lei desde 2014, em âmbitos tão diversos como formação de professores, equipamentos e oferta de vagas. No entanto, apesar do plano estar em vigor, o que se percebeu nas diversas falas ao longo do dia foi a barreira praticamente intransponível para seu cumprimento frente à Emenda Constitucional 95, sancionada em 2016 pelo presidente Temer, que congela os gastos primários do governo federal por um período de 20 anos.

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Imagem: Seminário 3 anos de PNE. Crédito: Câmara Notícias

A sessão aconteceu por requerimento do Dep. Pedro Uczai (PT/SC), contando também com apoio da Frente Parlamentar em Defesa da Implementação do PNE. Ao final da tarde de atividades, Uczai colocou em votação pontos, aclamados por unanimidade, que sintetizam os debates ocorridos na casa e que estarão na Carta de Brasília. São eles: realização em 2018 de seminário de 4 anos do PNE; convocação para que a sociedade ajude a construir a Conferência Nacional Popular de Educação - CONAPE 2018; realização de encontros na Câmara e estímulo à produção de textos sobre a temática; inclusão na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2018 de reivindicação para que as metas do PNE sejam respeitadas e cumpridas; espelhando os debates do seminário, a carta ainda reforçará a importância da defesa da democracia frente à conjuntura atual, a importância da conquista do PNE e ausência de processos democráticos em vários momentos, o debate da qualidade na educação pública brasileira, acesso, permanência e financiamento e a defesa dos profissionais da educação.

Na manhã desta quinta-feira (6), uma Audiência Pública, com participação da Comissão de Legislação Participativa, também debateu as alterações na composição do Fórum Nacional de Educação - FNE, suas atribuições e a Convocação da 3ª Conferência Nacional de Educação - CONAE. As entidades presentes pediram a retirada da portaria ministerial. Diversas entidades que compunham o fórum - responsável pelo acompanhamento da implementação do PNE - construíram um fórum e anunciaram uma conferência paralelas, ambos de caráter popular, em resposta à ingerências do MEC sobre o FNE, que na prática representa seu desmonte.

Outro debate essencial para a Educação em curso diz respeito ao FUNDEB - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. A senadora Lídice Damata (PSB) apresentou uma PEC para tornar o fundo uma política permanente. Apesar da lei do FUNDEB ter completado 10 anos em 2016, sua estrutura através de fundos dos estados, sem uma responsabilidade direta da União, o deixa vulnerável ainda. A senadora Fátima Bezerra (PT), que será relatora da PEC, afirmou durante o seminário desta quarta-feira que "esta não é uma política qualquer. São 10 anos de FUNDEB, precisamos de iniciativas para defendê-lo". O fundo, por estar desvinculado da EC do Teto de Gastos e por prever investimento através do CAQi - Custo Aluno Qualidade Inicial -, é uma das grandes esperanças de recursos para área.

Seminário de 3 anos do PNE

Apesar da importância do evento, a mesa de abertura não contou com a presença do Ministro da Educação, Mendonça Filho, como estava previsto Por sua vez, a fala do diretor de programas do MEC, Ector Bazini, foi criticada na parte da tarde por sugerir que seria necessário elencar "prioridades" dentro do PNE e por reivindicar ideias para sua implementação "a partir do contexto econômico atual", desconhecendo a imposição colocada pela aprovação da EC 95. Apesar de defender o plano e saudar o encontro, o Presidente da Comissão de Educação, Deputado Caio Narcio (PSDB), disse que o PNE seria uma "régua de ideias e planos", criticado também por não reconhecer seu caráter de metas práticas e bem delimitadas a serem cumpridas.

Na primeira mesa da manhã, formada por Márcia Ângela da Silva Aguiar, representante do Conselho Nacional de Educação (CNE), Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, e Heleno de Araújo, coordenador do Fórum Popular Nacional de Educação (FNPE), foi recorrente a crítica ao governo e suas reformas. O coordenador do FNPE ressaltou a importância de investimentos na educação para o desenvolvimento de um país, usando o caso da Alemanha como exemplo: "aqui nós temos um governo golpista, ilegítimo e corrupto, que vai na direção contrária desse processo".

A participação da sociedade civil no processo de construção das políticas educacionais foi reivindicada pelos participantes da mesa. Araújo denunciou a dissolução do Fórum Nacional de Educação e a intervenção do MEC no sentido de conseguir maioria em uma entidade que tem como princípio representar a sociedade civil.

Para Márcia Ângela, a execução e a concretização das metas do PNE dependem da “efetiva e maior organização da sociedade civil”. Também evidenciou que em momento de crise “o Brasil realiza uma conciliação por cima. Nesse momento isso não é possível, temos que acreditar na participação popular, sim!”

Daniel Cara criticou a construção da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) sem uma participação efetiva de professores. O representante da Campanha também condenou a construção propagandística da Reforma do Ensino Médio, que seria impossível de ser efetivada até a finalização da BNCC. Cara avalia as metas do PNE como um “agenda encadeada”, dessa forma,  para sua construção, é necessária a regulamentação do SNE, já que esses são vinculados, garantindo que “união, estado e municípios remem no mesmo sentido”.

Todos os palestrantes pontuaram as ameaças da Emenda Constitucional 95. Cara, além de defender a anulação desta, apontou o novo FUNDEB como possibilidade para diminuir esses danos. Para ele é necessário uma política econômica que garanta os direitos da população, uma “economia a serviço da população e não a população a serviço da economia”. E enfatizou ainda esperançoso: “a gente tem resistido à desconstrução da constituição federal e eu acredito que a gente vai ser vitorioso nesse sentido”.

Após lançamento do livro "Plano Nacional de Educação: olhares sobre o andamento das metas", uma mesa discutiu "O Financiamento da Educação e a Emenda Constitucional 95". Macaé Evaristo, do Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), ressaltou como a restrição de investimentos afeta sobretudo populações mais vulneráveis, como quilombolas, deficientes e moradores em situação de rua. A secretária de educação de Minas Gerais ainda criticou a reforma do Ensino Médio por sua negação ao diálogo. "Nós não estamos seguindo para o século 21, estamos voltando para o século 19. E não é possível que a gente concorde com isso. Educação é direito, não mercadoria, tem que ser para todos. A superação disso só se fará com a maior radicalização democrática. A estratégia de uma Conferência Popular de Educação é fundamental pra chegar a cada um dos municípios desse país."

Presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação - UNDIME, Aléssio Costa Lima apresentou a realidade da maioria dos mais de 5 mil municípios representados na entidade, que recebem repasses muito pequenos perto das despesas para implementação da política educacional. Lima afirmou que a União fica numa situação cômoda, por ser a que mais arrecada, mas com uma atuação tímida, sobrecarregando estados e municípios. "Como vou cobrar dos municípios o cumprimento das metas se ele consegue provar que não recebeu um centavo de investimento de um ano pro outro? Pelo contrário, reduziu. O discurso de que não se precisa de dinheiro é perigoso", diz, pontuando que com a EC 95 estima-se uma perda de R$ 58 bilhões de reais nos próximos 10 anos para a educação. Para o representante da UNDIME, "com o PNE fomos convidados a sonhar com as metas. Mas não tivemos os aportes para concretizá-las", referindo-se, por exemplo, à meta de colocar 50% das crianças de 0 a 3 anos em creches, de se cumprir o piso do magistério e de equiparação a outras áreas com profissionais com a mesma categoria.

A perversidade da Emenda Constitucional do Teto dos Gastos foi reafirmada pela presidente da ANPEd, Andrea Gouveia (UFPR), uma vez que o congelamento de investimentos deixa o horizonte educacional totalmente comprometido. "A única perspectiva de um PNE forte é a gente reverter a EC 95", defende Gouveia, que também lembrou a ilegitimidade das reformas em curso, que não passaram pelo crivo das urnas. Essa visão igualmente foi reforçada na fala de João Ferreira de Oliveira - Presidente da Associação Nacional de Política e Administração da Educação - ANPAE, que se amparou em pesquisas e dados para mostrar a necessidade do avanço de recursos para a ampliação da oferta de vagas e equipamentos, como previsto no PNE. Uma análise trazida por Ferreira apontou que num período de 20 anos de averiguação da execução orçamentária, em apenas três anos não se percebeu um investimento superior à inflação praticada no ano anterior - como a EC determina. "Como fica o direito à educação? A análise permite afirmar que cumprimento do PNE frente à EC 95 é uma tarefa praticamente impossível. Determinou-se a morte do PNE."

Para Pedro Uczai (SC), que mediou algumas das mesas, os impasses de tentar reverter a EC 95, principal entrave ao cumprimento do PNE, são grandes. "O que fazer diante disso tudo? Apresentar nova Emenda Constitucional na casa? Convencer o executivo de recuar de sua decisão? Projeto de iniciativa popular? Ação direta de inconstitucionalidade? O mesmo parlamento que votou o PNE foi o mesmo parlamento que destruiu o PNE, aprovando a PEC 95."

Na última mesa, sobre Formação de Professores, Malvina Tuttman (CNE) abriu sua fala com saudação à UERJ e a todas as universidades estaduais cujos profissionais do magistério vêm sofrendo precarização. Tuttman abordou rapidamente as metas do PNE que mais dizem sobre Formação de Professores (15, 16, 17 e 18), pontuando o não cumprimento das diretrizes e a importância da formação continuada. "Uma das pouquíssimas metas alcançadas foi justamente o parecer do CNE de 2015, de Luiz Dourado. Para a Presidente da Comissão Bicameral de Formação Inicial e Continuada de Professores, não se questiona a formação de 6 e 5 anos para médicos e advogados, porém propõem-se corriqueiramente a precarização da atuação docente. "Podemos substituir professores por tutores? Não! Não admitiremos que aconteça. Tenho quase 50 anos de magistério. Quero ser apresentada como professora desse país. Que nós sejamos respeitados. Não somente nos discursos."

Argumentos sobre o não cumprimento do PNE, a violência da EC 95, a precarização dos profissionais da educação e a ilegitimidade do governo Temer ainda pontuaram as falas finais de Gilmar Soares Ferreira (CNTE), Gilson Reis (CONTEE) e Eduardo Rolim de Oliveira (PROIFES). "O governo Temer enterrou a educação brasileira e o PNE. Não podemos permitir que isso seja executado", afirmou o GIlson Reis.