Proinfância | Entrevista com Marlene dos Santos (UFBA)

 

 

 

 

 

 

Entrevista com Marlene Oliveira dos Santos, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA)e coordenadora do Proinfância Bahia MEC-UFBA. A entrevista integra reportagem especial da ANPEd sobre a Educação Infantil.

 

Qual a importância do Proinfância?      

Considero o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância), criado pela Resolução n°6, de 24 de abril de 2007, como uma importante iniciativa de colaboração entre os entes federados no campo da Política Nacional de Educação Infantil, para a melhoria da infraestrutura da rede física escolar de Educação Infantil, para a expansão das matrículas na creche e na pré-escola e para o fortalecimento das políticas públicas municipais para a Educação Infantil. Foi a primeira vez que vimos no Brasil, no âmbito do governo federal, um programa de construção e/ou reforma de escolas de Educação Infantil com base em um projeto arquitetônico, elaborado a partir de parâmetros nacionais de infraestrutura para a Educação Infantil.

Nesse momento vejo que é preciso lutar pela continuidade desse Programa, especialmente na atual conjuntura político-econômica brasileira em que políticas neoliberais combinadas com políticas neoconservadoras avançam para subtrair direitos fundamentais dos brasileiros, principalmente dos mais pobres, e colocar em risco avanços e conquistas importantes para a Educação Infantil e para as demais etapas e modalidades da educação.

Foi com o Proinfância que se inaugurou no Brasil um novo paradigma de espaço físico escolar para as crianças, rompendo com a cultura de que qualquer espaço serve para matricular crianças de 0 a 6 anos de idade. O espaço físico é um dos fios constitutivos da identidade da Educação Infantil, como pode ser visto em diversas pesquisas brasileiras e internacionais. Por esta razão, ele deve ser planejado e construído levando em consideração, além das normas técnicas ABNT para construção civil, as concepções de criança, infância, currículo, proposta pedagógica e Educação Infantil que constam nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (Resolução CNE/CEB n° 5, de 17 de dezembro de 2009), bem como em outras orientações e documentos sobre a Educação Infantil elaborados, nos últimos anos, no Brasil.

Outro aspecto relevante do Proinfância foram as assessorias técnico-pedagógicas fomentadas pela Secretaria de Educação Básica do MEC, em articulação com o FNDE, concomitantes à construção das unidades de Educação Infantil nos municípios. Essas assessorias foram realizadas em parceria com universidades federais e com consultores contatados pelo MEC, por meio de editais públicos, para acompanhar e orientar os municípios na estruturação e organização do funcionamento das unidades de Educação Infantil e na elaboração de diretrizes, propostas pedagógica e curricular para a Educação Infantil pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade.

A assessoria técnico-pedagógica no Proinfância foi estratégica para se chegar até os municípios, apoiando-os e orientando-os em suas iniciativas com a incorporação das novas unidades de Educação Infantil na rede municipal de ensino.

As assessorias propiciaram uma escuta sensível de quem está no cotidiano das secretarias de educação e das escolas, devolvendo a quem propõe a política pública informações sobre o que pode ser validado, o que ainda não chegou, o que precisa ser eliminado e/ou alterado e o que precisa ser ampliado e construído para se alcançar uma Educação Infantil de qualidade.

Penso que o Proinfância pode ser mais do que um Programa que constrói e/ou reforma escolas e compra mobiliários e equipamentos. Ele, se aperfeiçoado, pode contribuir para a consolidação de um novo projeto físico-pedagógico para a Educação Infantil no Brasil, no qual as crianças possam ser crianças e viver a sua infância enquanto aprendem, constroem sua autonomia e se desenvolvem integralmente. Na escola, as crianças, com as suas múltiplas linguagens e formas de expressão e comunicação, aprendem a ser e estar no mundo. Por isso, espaço físico e proposta pedagógica e curricular estão conectados entre si.  

 

Quais os impactos que já são percebidos desde sua criação em 2007?

Quando se toma como referência apenas a meta de 6 mil creches construídas até 2014, os resultados da avaliação dos impactos do Proinfância para a Educação Infantil no Brasil são considerados negativos, como tem sido noticiado com frequência pela mídia brasileira. O Proinfância recebeu muitas críticas em relação ao projeto arquitetônico, às exigências conveniais e aos mecanismos de gestão e monitoramento, mas, no meu entender, são questões passíveis de serem resolvidas com vontade política, uma vez que o cerne do problema do Proinfância é de natureza administrativa e político-econômica. O não cumprimento dessa meta tem relação com a fragilidade da gestão do Programa em nível federal e municipal, com as dificuldades contratuais com empreiteiras e com o desvio de recursos públicos em alguns municípios.    

Na minha avaliação, o Proinfância para avançar em sua proposta inicial precisa sair da condição de Programa e tornar-se uma Política Pública Nacional de Infraestrutura com financiamento adequado para a construção das unidades de Educação Infantil que o Brasil necessita para universalizar a pré-escola e a atender a demanda manifesta de creche. Além disso, essa política deve ser executada em articulação com outras políticas públicas para garantir aos municípios as condições necessárias para a oferta de uma Educação Infantil de qualidade.

Reconheço as fragilidades do Proinfância, mas tenho olhado para ele também como um Programa da Política Nacional de Educação Infantil que conseguiu, concretamente, dar passos iniciais em direção à ampliação e à melhoria da infraestrutura da rede física da Educação Infantil no Brasil. Esses primeiros passos podem ser notados na expansão das matrículas da Educação Infantil em diferentes municípios brasileiros com o recebimento das unidades do Proinfância.

O Proinfância possibilitou, por exemplo, que crianças de 0 a 2 anos idade fossem matriculadas, pela primeira vez, na história da rede pública de ensino de muitos municípios. A presença dos bebês e de crianças bem pequenas em instituições de Educação Infantil representa uma conquista importante para a sociedade brasileira, que precisa ser ampliada e consolidada no campo de direito à educação.

Talvez os impactos mais relevantes do Proinfância não estejam no número de obras finalizadas, mas no cotidiano de escolas e grupos de crianças. Considero importante dar um zoom nas experiências desse Programa pelo Brasil afora para reconhecer que o Proinfância não é tecido só de cimento, ferro e areia. Em cada obra inaugurada e em funcionamento tem gente com suas narrativas. E onde tem gente, tem saber-fazer, tem experiência, tem diversidade, tem beleza, tem afeto, tem aprendizagem, tem riso, tem esperança, tem compromisso, tem resistência, tem luta.

 

Em sua opinião o que ainda é necessário realizar para melhor desenvolvimento da Educação Infantil no Brasil?

Essa resposta não é simples, mas arrisco a dizer que o avanço do desenvolvimento da Educação Infantil no âmbito do estado brasileiro depende, principalmente, de sua consolidação como primeira etapa da Educação Básica. Afirmo isso porque o que está garantido na legislação educacional brasileira para as crianças de 0 a 6 anos de idade encontra-se hoje ameaçado com ações conservadoras, privatistas e retrógradas do atual governo federal.

A Educação Infantil, nos últimos 14 anos, saiu do campo da invisibilidade e desprestígio social para ser protagonista de políticas públicas e diversos programas para a educação.

Logo, o desafio é manter o que se conquistou até aqui e avançar naquilo que os governos (federal, distrital, estadual e municipal) não conseguiram dar conta. O atual Plano Nacional de Educação, construído democraticamente, deve ser a referência para a busca das melhorias para a Educação Infantil no Brasil. Nele estão definidas metas e estratégias sobre problemáticas que devem ser enfrentadas com afinco pelos entes federados, em regime de colaboração, para se colocar a Educação Infantil em um patamar bem mais elevado do que ela se encontra hoje.

A Educação Infantil que queremos e que todas as crianças brasileiras têm direito é uma Educação Infantil pautada em princípios éticos, políticos e estéticos, com uma função sociopolítica e pedagógica comprometida com a democracia, com a cidadania, com a liberdade de expressão e de pensamento, com a diversidade, com a aprendizagem contextualizada e crítica, com a justiça social e com a paz.