A pandemia e a desmarginalização científica das pesquisas com as tecnologias | colaboração de texto por Leonardo Nolasco-Silva (GT 12)

Entre as consequências (em curso, ainda não digeridas) trazidas pela pandemia do novo coronavírus, encontra-se a busca aligeirada por uma oferta educacional que, respeitando o isolamento físico (ao menos por enquanto e, muitas vezes, em teoria), consiga perpetuar certa visão da instrução escolar pautada no professor-orador e na turma-audiência, reunidos em sessões de videoconferência e em ambiências online que, boa parte das vezes, funcionam como repositórios de textos e espaçostempos de troca de mensagens.

Contudo, ao lado dessa busca por um mais do mesmo, mantenedor das práticas educacionais massivas (quase sempre maçantes para os sujeitos envolvidos), temos assistido ao processo de desmarginalização científica das pesquisas na/da/com a cibercultura, a Educação a Distância, a informática na Educação e demais vertentes que pensam, há décadas, a relação praticantes/tecnologias em contextos de formação. Esses estudos, por muito tempo ignorados ou vistos com desconfiança pela comunidade científica, possuem como premissa a necessidade constante de atualização, pois estão enredados nas tramas moventes da invenção tecnológica e da apropriação inventiva que os usuários fazem dos dispositivos e procedimentos informacionais, sobretudo nos cenários da cibercultura. Diante da pandemia, em meio ao caos cognitivo instalado, os pesquisadores da docência online têm sido os mais procurados para falar de soluções, para oferecer treinamentos, para pensar os procedimentos de retomada da oferta escolar que, “de repente”, precisou considerar o papel onipresente das tecnologias em nossas vidas.

Quem pesquisa com os cotidianos escolares e universitários sabe que as tecnologias – não apenas as digitais em rede, mas também as massivas – como a televisão, o rádio, o jornal – compõem as nossas redes educativas e atravessam nossos trânsitos pelas escolas e universidades, participando dos modos como vamos construindo nossas percepções de mundo. O que muitos estão descobrindo só agora é que as tecnologias da cibercultura são também espaçostempos praticados, que podem ser terreirizados e encantados (SIMAS; RUFINO, 2018, 2020; SIMAS, 2019) para servir aos ritos de ensinaraprender produzidos pelas/nas/com as instituições de ensino.

É, portanto, na trilha dessa descoberta tardia (mas antes tarde do que nunca) que os pesquisadores das ciberdocências têm produzido, diariamente, comunicação científica que, diferente dos tempos de mar calmo, reverberam entre o público-alvo, criando diálogos e outros modos de habitar salas de aula. Através de uma intensa produção multimidiática a história do presente vem sendo contada (e modificada, com pesquisa-formação, pesquisa-ação e afins) em lives, revistas, dossiês, livros, postagens em redes sociais, podcasts, cursos online de extensão, séries de ficção e demais autorias que, no calor da urgência de falar e ser ouvido, vêm desconstruindo o fator tempo nos processos de divulgação científica. Só assim, aligeirando os procedimentos necessários, a Boitempo Editorial e a N-1 edições, por exemplo, publicaram livros sobre a pandemia, ainda no meio da quarentena. Periódicos como a Revista Docência e Cibercultura, na seção Notícias, têm reunido reflexões acessíveis e pertinentes de pesquisadoras e pesquisadores que trazem o presente em suas escritas, atentos aos conhecimentos produzidos pelos movimentos sociais, pelas redes sociais, pelos sujeitos ordinários que, coautores do mundo em que vivemos, poderiam ser mais buscados como leitores e interlocutores dos nossos textos. Destaco, no potente repertório da ReDoC, os textos: EAD, palavra proibida. Educação online, pouca gente sabe o que é. Ensino remoto, o que temos para hoje. Mas qual é mesmo a diferença? #livesdejunho..., de Edmea Santos; “Flash Mobs”: ativismo juvenil no caso George Floyd #BlackLivesMatter, de Rosemary dos Santos e Storytelling na pandemia: experiências, memórias e ficções, de Tania Lucía Magddalena. O grupo de pesquisa “Currículo e cotidianos e redes educativas e imagens e sons e...”, coordenado por Nilda Alves, considerando a desigualdade nos modos de conexão via pacote de dados, começou a produzir podcasts com entrevistas e reflexões breves acerca dos temas estudados pelo coletivo de pesquisadores. O dossiê “Cenários escolares em tempo de COVID-19”, organizado por Lynn Alves, William Santos e Deise Francisco, na Revista Interfaces Científicas, reúne narrativas e reflexões produzidas por educadorepesquisadores dedicados a pensar a Educação Básica, a Educação Especial, o Ensino Superior e a Educação para terceira idade em tempos de pandemia, no Brasil e em Portugal. A lista das circulações científicas outras durante a quarentena é imensa, mas gostaria de encerrar esse texto destacando o trabalho basilar, realizado com fôlego e inventividade, por Mariano Pimentel e Felipe Carvalho, publicado na SBC Horizontes. Trata-se de uma produção vasta, que alarga a comunicação científica hibridizando imagens, vídeos e textos, num esforço bem sucedido de falar para/com/entre professores sobre os princípios da educação online.

A pandemia da Covid-19, ao demandar o isolamento físico, estimulou aglomerações científicas mediadas pelas tecnologias digitais. Em muitas dessas aglomerações a sala de aula tem sido tema, não no sentido da sua adaptação às ambiências virtuais de ensinoaprendizagem, mas na direção da reinvenção das docências com as tecnologias digitais, com as práticas ciberculturais, com a multiplicidade das redes educativas, com as pautas dos movimentos sociais e demais contingências dos saberesfazeres praticados que, ao fim e ao cabo, nos liberam da ilusão de um “novo normal”. A novidade é o precário, é o movente, é o devir.

Leonardo Nolasco-Silva

Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ

Colíder do Grupo Currículos, Narrativas Audiovisuais e Diferença

Lattes: http://lattes.cnpq.br/6236498913421435