“Ocupar, Resistir, lutar pra garantir”: ocupações de três escolas estaduais em Niterói - RJ, 2016

Renata de Sá Gonçalves (prof. Departamento de Antropologia, coord. Pibid Ciencias Sociais/Capes, Universidade Federal Fluminense)
Carlos Douglas Martins Pinheiro Filho (prof. Sociologia, Escola Técnica Henrique Lage, supervisora PIBID/Capes)
Lívia Benkendorf de Oliveira (profa. Sociologia Escola Estadual Baltazar Bernardino, supervisora PIBID/Capes)
Marcelo Valle (Fotógrafo, bolsista Lab. Filme Etnográfico UFF/ FAPERJ)

O artigo tem como objetivo apresentar um breve relato e impressões sobre as ocupações de três escolas em Niterói, RJ, por meio da atividade coletiva que desenvolvemos durante os meses de abril a junho de 2016 nomeada de “Projeto OcupaEducação”. O projeto envolveu um grupo de professores de Sociologia da educação básica e do ensino superior e de estudantes licenciandos, ligados ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID) Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense[1]. O presente relato corresponde à experiência de observação participante e de produção de dois vídeos[2] a partir do contato com três escolas: Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho (IEPIC), Colégio Estadual Paulo Assis Ribeiro (CEPAR), Colégio Estadual Pinto Lima (CEPLIM), situadas na cidade de Niterói, Rio de Janeiro.

As ocupações no estado do Rio de Janeiro tiveram início em 21 de março de 2016, no Colégio Estadual Prefeito Mendes de Moraes, na Ilha do Governador. A partir dessa iniciativa, outras tantas escolas foram ocupadas, contabilizando mais de setenta escolas ao todo no estado do Rio de Janeiro no período entre abril e junho. A partir de uma crise política mais ampla que se instaurou no Brasil, com o impeachment da presidente da República, e no estado do Rio de Janeiro com uma grave crise política e financeira, nesse mesmo período, direcionamos nossa insatisfação no projeto que buscava compreender novas formas de atuação e de propostas para a educação brasileira: o que é uma ocupação nas escolas? As principais temáticas abordadas centraram-se em como e porque se iniciou o movimento, como os estudantes e professores pensavam a ocupação, e quais reivindicações e projetos de educação esses jovens defendiam. Acompanhamos as primeiras semanas de ocupação do IEPIC (primeira escola ocupada em Niterói), em abril de 2016, momento em que os estudantes estavam aprendendo a se organizar como coletivo e vivenciavam, ao mesmo tempo, inúmeras tensões e conflitos, seja quanto à relação interna entre os próprios ocupantes, sempre negociadas, seja quanto às tensões implicadas nesse movimento. A contestação do modelo vigente de educação pública tensionava a relação entre dirigentes das escolas, entre estudantes e entre pais de estudantes que concordavam, discordavam ou simplesmente desconheciam as intenções e atuações dos estudantes.                                                                                                                                   

 

 

Em nossas primeiras visitas ao Ocupa IEPIC, observamos que os estudantes ocupantes propunham um novo controle do fluxo de entrada e saída de pessoas, cuidando das portarias – as quais, em algumas escolas, já não tinham funcionários fixos devido à demissão de terceirizados.  Com a inversão do lugar e da posição dos estudantes, agora como protagonistas, nós entramos como visitantes, com a exigência de identificação, anotação de nome e utilização de crachás. No IEPIC ocupado, o espaço da escola foi reconfigurado por cartazes e faixas: uma nova disposição dos objetos formou-se em conjunto com a reconfiguração de usos criativos dos espaços tradicionais da sala de professores (usada como sala de lazer ou de reuniões), os corredores e muros pintados e com frases que indicavam suas demandas e anseios.

Em nossa primeira visita ao IEPIC, fomos encaminhados a uma sala, que era chamada de Sala de Comunicação, onde havia um equipamento de rádio ligado aos alto falantes da escola. Explicamos a alguns deles quem éramos e o que pretendíamos fazer, sendo nossa demanda encaminhada a Assembléia Geral. Aprovada a iniciativa no fórum, nos foi permitido prosseguir com o projeto, fato que se repetiu em todas as ocupações visitadas. Esse foi o início de um grande aprendizado e da desconstrução do modelo atual de tomada de decisões.

Nas escolas visitadas, em suas paredes, os cartazes indicavam reivindicações por verbas para a solução de problemas estruturais, como: “Saunas de aula não”, frase exposta no CEPAR. As questões estruturais também dominavam os discursos de apresentação aos recém-chegados, que eram convidados a uma visitação pela escola, sendo a eles apresentados os principais problemas, as soluções arranjadas pelos próprios estudantes e as possíveis alternativas a antigas demandas que dependiam do governo e, portanto, de mais luta.

A partir da inversão no regime de visibilidade, as “escolas ocupadas” destacaram a existência de problemas do próprio modelo de educação atual, ultrapassando as reivindicações da greve dos profissionais da educação. Em paralelo, e em meio ao descaso do Estado, mostraram que as mudanças são urgentes e assim fizeram ressurgir a esperança com a ocupação efetiva e afetiva de espaços das escolas antes pouco usados ou desconhecidos, mas também renascia a auto estima de estudantes antes considerados problemáticos, ou bagunceiros e apáticos, voltava a esperança de atuação mais intensiva da comunidade do entorno, do bairro, dos pais, e dos estudantes.

O estudantes unidos reorganizaram alguns espaços como hortas e espaços verdes abandonados ou mau cuidados, salas de informática, salas destinadas a aulas de música ou outras atividades, antes completamente fechadas sem uso ou com uso muito restrito. Assumiram a gestão da escola, propuseram eventos culturais, organizaram oficinas com temáticas diversas como “gestão democrática”, debates sobre gênero, aulas de dança, capoeira, oficinas de texto, de audiovisual, artes, aulões preparatórios para os processos seletivos de ingresso nas universidades. Organizaram uma pauta de reivindicações alinhadas com as necessidades específicas de sua escola e em diálogo com as demandas das demais escolas ocupadas da rede estadual, formando em rede o coletivo dos “estudantes secundaristas em luta- RJ”, denunciando o estado precário da infra-estrutura e funcionamento das escolas, bem como os materiais guardados e não distribuídos, como uniformes e livros.                                                                                                                                                                              

 

 

Como procedimento adotado por estudantes ocupantes das três escolas visitadas destacamos a organização e divisão de tarefas em diferentes comissões: segurança, limpeza, cultura, comunicação, manutenção e cantina. A atuação dos estudantes ocupantes se construiu de forma autônoma, e contou com a admiração e o apoio de professores, ex-alunos e integrantes de diferentes movimentos sociais, motivados pelo trabalho coletivo, respeito e organização. A pauta de luta recorrente, construída de forma coletiva nas assembléias, pode ser sintetizada por alguns aspectos denunciados que se repetiram em muitas escolas do Rio de Janeiro: 1. Falta de água; 2. Falta de segurança; 3. Falta de infra estrutura; 4. Falta de diálogo com a direção; 5. Falta de climatização da salas de aula. Além da denúncia e da insatisfação com as condições em que a educação pública se encontra, os estudantes pautavam propositivamente: 1. Livre organização dos estudantes: gestão democrática compartilhada; 2. Acesso a todas as salas da unidade escolar; 3. Distribuição do material escolar e dos uniformes; 4. Contra a opressão da direção ao corpo estudantil; 5. Contra o Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro (SAERJ e SAERJINHO); 6. Aulas em espaço livre; 7. Eleição direta para a direção; 8. Mínimo de dois tempos para cada matéria; 9. Incentivo aos alunos: passeios, exposições e projetos; 10. Passe livre do Riocard nos finais de semana; 11. Gratuidade aos estudantes uniformizados; 12. Volta dos projetos da unidade escolar; 13. Reintegração da unidade escolar com a comunidade; 14. Fim da polícia na escola; 15. Oficinas culturais abertas ao público; 16. Contra a forma negativa com que tratam os alunos

As reivindicações por autonomia e democracia na escola acabaram pressionando a lei de eleição direta para escolha de diretores, sancionada em 6 de junho pelo governador em exercício, Francisco Dornelles (Partido Progressista – PP).

Do nosso ponto de vista, houve uma mudança transformadora do lugar de subordinação e passividade normalmente reservado aos estudantes, para o lugar de agentes do processo educacional, a partir da gestão concreta dos espaços da escola, característica principal do movimento de ocupação. Limpeza, comida, agenda de aulas e oficinas constituíam ações essenciais das ocupações que reforçavam laços entre o coletivo. Ao mesmo tempo que concretizavam momentaneamente suas demandas, fomentavam novas propostas. Foi recorrente o relato de estudantes de que as ocupações os fizeram “amadurecer” pela obrigatoriedade das tarefas de manutenção diária, pelo convívio com o diferente, pela apropriação do espaço e do próprio sentido da ação no espaço.

Aprendemos que a formulação de novas propostas educacionais não ocorrem a priori, mas no processo de questionamento dos instrumentos educacionais vigentes. Acreditamos que o movimento de ocupação é um processo em aberto e não finalizado, baseado não apenas na ocupação da escola, ou na solução de problemas de infra-estrutura de seu espaço físico, mas também na demanda de protagonismo desses jovens estudantes na gestão da educação,  e da luta pela garantia de seus direitos de serem ouvidos e de agirem. Ocupar, Resistir, Lutar pra garantir!

[1] Os estudantes licenciandos que atuaram nas atividades e na produção dos vídeos e que fazem parte do Projeto Ocupa Educação são: Augusto Schneider, Barbara Tovar, Barbara Magalhães, Bruna Lanzillotti, Julia Schmidt Leal, Julia Vieira, Luiza Siqueira, Roberto Brito da Silva, Viviane Linhares.

[2] Os vídeos foram produzidos pelos estudantes de ciências sociais da UFF a partir do Laboratório do Filme Etnográfico da UFF. Video Ocupa Educaçao (junho de 2016): https://youtu.be/ZDuHZn53Foc e Video Ocupa IEPIC: https://youtu.be/d4uez9LefE0 (abril de 2016)

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