Nota de falecimento da autora Maria de Lourdes Chagas Deiró

É com pesar que a ANPEd informa o falecimento de Maria de Lourdes Chagas Deiró, autora do conhecido livro As Belas Mentiras: a ideologia subjacente aos textos didáticos. Maria faleceu na última quinta-feira, 4 de maio. 

Abaixo, segue carta de Paolo Nosella

-------------------------------------------------------------

Aos amigos e colegas da área de educação.

Prezados,

na quinta feira passada, 04 de maio, às 15h, faleceu Maria de Lourdes Chagas Deiró (Nosella), mãe dos meus dois filhos maiores e minha primeira esposa. Naquela hora estava dando uma palestra no Rio Grande do Sul (na cidade de Três de Maio). Leila aguardou o fim da palestra e, às 17h, me telefonou dando a triste notícia. Alguns, entre os professores que estavam comigo no momento, quando comentei a notícia, disseram conhecer o livro dela “As belas mentiras”.

No dia seguinte, consegui chegar até Araras para abraçar meus filhos Berilo Luigi e Virginia e, no velório, emocionado, me despedi de Maria de Lourdes. Ela tomava, há tempo e de forma contínua, vários remédios. Os médicos pretendiam desintoxicá-la para reprogramar os remédios. Infelizmente, teve uma parada respiratória e não foi possível reanimá-la.

Das pessoas do mundo acadêmico mais próximo a mim e a ela, lembro, sobretudo, Dermeval Saviani e Antonio Joaquim Severino que foram nossos (meu e de Maria de Lourdes) mestres na Pós-graduação da P.U.C./SP, nos anos de 1978 e 1979. Seus nomes, entre outros, são citados no começo dos “Agradecimentos” da obra dela. Saviani foi orientador e prefaciou o livro. A eles já enviei a notícia.

Essas lembranças me trazem muita e doce emoção.

Por este e-mail alargado, pretendo alcançar amigos e colegas do mundo acadêmico, área de educação, sobretudo, os inúmeros leitores do livro dela.

A obra de Maria de Lourdes, As belas mentiras, foi uma das dissertações de mestrado mais divulgada e lida pelos professores do Brasil. Houve quem insinuasse “plágio”, movidos certamente por desconhecimento. Lembro bem: eu conseguira um exemplar do livro de Maria Bonazzi e Umberto Eco “I pampini bugiardi” (Os pâmpanos mentirosos) e o entreguei à autora quando o trabalho dela havia sido já concluído. Maria de Lourdes lera e inspirara-se no “Cuesta arriba e cuesta abajo?” de Boggio Anna e outros.

A verdade é que o livro de Maria de Lourdes foi um extraordinário acerto didático para o leitor brasileiro e, nesse sentido, foi um trabalho absolutamente original. Nenhuma obra estrangeira que aborda semelhante temática poderia substituir para o leitor brasileiro o livro de Maria de Lourdes; as semelhanças gerais se explicam uma vez que os autores se orientam por equivalentes concepções teóricas e técnicas. Estou falando o obvio, mas, às vezes, é justamente o obvio que precisa ser dito. A história das inúmeras edições e reimpressões do livro honra o trabalho e a criatividade da autora.

Nunca esquecerei Maria de Lourdes folheando e comentando centenas de livros didáticos destinados às escolas das crianças brasileiras das séries iniciais do ensino fundamental. Enquanto trabalhava, dizia-lhe em tom de brincadeira elogiosa, que herdara “sangue de pesquisadora”, pois o famoso cientista Carlos Chagas, de alguma forma longínqua, é um seu parente. Eu, porém, nessa circunstância, por reflexo, aprendi que o campo científico é também, como diz Bourdieu, um campo de marte.

Maria de Lourdes quis que minha história com ela, a certo ponto, se interrompesse. Acho que foi um seu último ato de amor por mim. Mas, os filhos, lindos e maravilhosos (perdoem o corujíssimo) que juntos tivemos, costuraram sempre entre nós uma relação muito boa. Agora, doce Maria, descanse em paz.

Caros amigos e colegas do campo da educação compreendam meus sentimentos e desabafo. Neste momento, precisava escrever esta carta, sobretudo, para os inúmeros leitores do livro de Maria de Lourdes.

Um abraço

Paolo

São Calos, 07 de maio de 2017.