Entrevista com Sérgio Amadeu da Silveira |representante CGI.Br

Confira entrevista com Sérgio Amadeu da Silveira. O professor da Universidade Federal do ABC é um dos três representantes da comunidade acadêmica no Comitê Gestor da Internet (CGI.Br).  

Qual sua opinião a respeito da consulta pública aberta para reavaliar a composição do comitê? Qual estratégia e interesses do governo atual é possível deduzir disto? Questões como "neutralidade da rede" e "consentimento do usuário" estariam em jogo?

O atual governo tem se notabilizado por atender aos interesses exclusivamente do poder econômico. Sem consultar a sociedade, o atual governo juntou dois Ministérios, Ciência e Tecnologia com Comunicações. Por que? Qual o estudo embasou a junção? Quem foi ouvido? Tudo indica que somente foram consultados os grandes radiodifusores e as grandes operadoras de telecom. No caso do CGI, nas vésperas da primeira reunião após a eleição dos novos representantes, o governo lança uma consulta pública unilateral. Seu plano era concluir um decreto que mudasse a composição do CGI rapidamente, mas recebeu críticas da sociedade civil organizada e de diversas entidades internacionais de governança da Internet. Em síntese, pegou mal. Mesmo com maioria no atual CGI, o governo recuou e resolveu passar a cópia das contribuições de sua consulta para que o Comitê Gestor possa sistematizá-las, formar sua análise e abrir sua consulta, online, bem como debater as propostas, presencialmente, no Fórum da Internet no Brasil que ocorrerá em novembro, no Rio de Janeiro. Além disso, o representante do MCTIC se comprometeu a esperar as recomendações do CGI que deverão ser enviadas até dezembro.

Sem dúvida, uma mudança na composição do CGI é fundamental. Pode ser realizada para aumentar o poder da sociedade e da comunidade científica ou pode ser efetuada para ampliar o poder dos oligopólios, principalmente, do segmento das teles que controlam a infraestrutura físicas das redes. Esse segmento tem interesse em acabar com a neutralidade de rede, implementar a cobrança por pacotes de dados e por tipo de aplicação utilizada, enfim as teles querem transformar a Internet em uma grande rede de TV a cabo. O que está em jogo na mudança do CGI é o poder que o atual governo e algumas corporações querem exercer sobre a governança da Internet.

Qual a importância de um comitê com diferentes representações?

Um comitê com representações de diversos segmentos pode ter decisões mais equilibradas, pode defender mais os interesses da sociedade como um todo e não o interesse de um oligopólio específico. O modelo é multisetorial. O governo é minoritário, mas possui 9 membros em 21. Sua representação deveria ser menor, pois como ocorre hoje é necessário que apenas 2 representantes empresariais o apóiem para que consiga a maioria. Na atual composição do CGI, o governo tem um peso maior do que qualquer outro setor. Isso não é correto, pois em si o governo tem muito poder. Ele deveria ter o mesmo número de representantes que os setores acadêmico, empresarial e da sociedade civil organizada.

Você percebe pontos que realmente devem ser debatidos visando alterações no texto de 2003?

Sim. Considero importante ampliar a participação de novos segmentos no CGI, tornar a representação do governo paritária com os outros setores, melhorar a composição dos Ministérios que representam o governo, incluir o Ministério das Relações Exteriores, incluir o Poder Judiciário, entre outras possibilidades. Também acho que devemos melhorar as regras da eleição, arejando ainda mais o processo. Além disso, é preciso que o CGI seja mais transparente. No mínimo, as reuniões do Comitê Gestor devem ser abertas em streaming para que todas e todos interessados possam acompanhá-las. Considero também que o Comitê Gestor deve ter mecanismo mais abertos, envolventes e participativos para tratar de questões cruciais como a defesa da privacidade, segurança, inovação, incentivo a boas práticas sobre uma Internet das Coisas (IoT), redução do vigilantismo em rede, inserir os direitos humanos como elementos cruciais dos projetos de Internet, entre outras. Por fim, é preciso também avaliar qual é a legitimidade de um governo que não foi eleito pelo voto popular de conduzir estas mudanças.  

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