Entrevista com candidatos à prefeitura | João Alfredo

João Alfredo Telles Melo
Candidato à prefeitura de Fortaleza pelo PSOL

A qualidade da oferta de educação escolar é apontada como um problema em todo o país. Como avalia a qualidade da escola em seu município e quais propostas um possível governo seu pretende desenvolver?
Defendemos incondicionalmente a efetivação do direito à educação, com ênfase nos processos escolares de formação. Entendemos como imprescindível a garantia da permanência do conjunto dos estudantes nas escolas, a partir de uma escola integral que seja espaço de vivências coletivas baseadas em um currículo amplo, com uma integração real entre as atividades fundamentalmente teóricas e as práticas. Acreditamos também na construção de uma educação emancipadora, prática que não tem ocorrido na atual gestão. Uma escola de qualidade, na nossa avaliação, passa por ações como garantia de Passe Livre e transporte escolar, segurança alimentar orgânica e práticas sustentáveis, eleições para gestores das escolas, processo de formação continuada juntamente com as universidades e educação para as diversidades, com atenção às políticas para mulheres, juventude, negras e negros, LGBTs, formação de profissionais, concursos públicos para a área, efetivação dos professores temporários e a defesa de 35% da arrecadação dos impostos municipais para a educação. A nossa administração vai ser pautada na democracia e diversidade.

Os planos municipais de educação (PMEs) são instrumentos importantes na efetivação do direito à educação de qualidade de um município, visando um período de dez anos. O seu município possui o PME aprovado? Se sim, quais são as metas estabelecidas e quais serão suas ações para concretizá-las?
Fortaleza tem um Plano Municipal de Educação (PME) construído em processo conferencial. Entretanto, a participação social na construção desse instrumento não impediu que uma base religiosa conservadora desfigurasse algumas questões que envolvem o que tem sido adjetivado de forma pejorativa como "ideologia de gênero". Vale ressaltar que as metas do Plano Nacional de Educação só serão plenamente alcançadas com o esforço conjunto de União, estados e municípios. O PME é um instrumento que assegura ao cidadão, em formação, o acesso aos mais diversos conhecimentos, sem, contudo, garantir que esse conhecimento de fato seja proporcionado em sala de aula, pois entre um plano de educação e a prática de sala de aula há um abismo que também precisa ser enfrentado. Das nossas propostas que dialogam com as metas do PNE, cito algumas como: fomentar a qualidade da educação básica, investir em escolas de tempo integral, com um novo formato, e ampliar a oferta de educação infantil em creches.

No Plano Nacional de Educação (PNE), um norteador das políticas educacionais, fica estabelecida a “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”. Como isso seria elaborado em sua gestão? 
O acesso ao saber também está associado ao acesso às práticas sociais. Proporcionar o contato do estudante com diversas culturas, crenças e valores tem sido uma experiência possível para alunos de escolas particulares. Estudantes de escolas públicas dificilmente conseguem ter aulas não expositivas, pois ainda são poucas as experiências fora da sala de aula. Pensar a educação para além do espaço formal da sala de aula é uma urgência. A escola precisa ser um lugar agradável para onde os estudantes queiram voltar. Banheiros higienizados, refeitórios limpos, quadras esportivas, espaços de recreação e jogos, ambientes convidativos para leituras e pátios arborizados serão garantidos aos estudantes. Em nosso entendimento, as escolas devem funcionar como centros integrados de arte, cultura e lazer.

Um dos grandes desafios no PNE, que se relaciona diretamente às redes municipais, é a expansão da educação infantil. Que propostas tem para esta questão?
O desafio proposto pelo PNE, em relação à educação infantil, refere-se, exclusivamente, à expansão das vagas nas creches, uma vez que a Emenda Constitucional 59/2009 propõe a universalização da escolarização de 4 a 17 anos em 2016. Assim, a primeira preocupação deve ser conferir se a atual gestão cumpriu sua parte nessa tarefa. Quanto ao equacionamento da questão, o próprio PNE sinaliza a superação do quadro atual, através da efetivação do Custo-Aluno Qualidade Inicial/Custo-Aluno Qualidade (CAQi/CAQ) e da regulamentação do Regime de Colaboração entre os entes federados. Ocorre, porém, que o governo federal nunca objetivou, de fato, a regulamentação do segundo tampouco a efetivação do primeiro. Com relação à ampliação das vagas nas creches, nossa perspectiva é mais ampla do que a proposta pelo PNE, que prevê atendimento de 50% das crianças de zero a três anos até 2024. Queremos ampliar a rede municipal, de modo a atender toda a demanda manifesta, destacando que a escolarização de zero a três anos não é obrigatória.

Você acredita que a educação escolar pode promover a igualdade de gênero?
A educação escolar não é, de modo algum, suficiente para promover a igualdade de gênero, dado que isso só será feito com uma mudança profunda na sociedade. No entanto, ela pode e deve cumprir importante papel para a superação de todos os tipos de desigualdades e discriminações, ao fomentar o debate, a reflexão, o convívio com as diversidades. Defendemos uma educação transformadora.

O/A candidato/a tem conhecimento da existência de um movimento chamado “Escola Sem Partido” e os projetos de lei que tem sido criados a partir do mesmo? Qual sua posição?
A proposta é obscurantista, impedindo a abordagem de certos conteúdos científicos que conflitem com as crenças de pais de estudantes. Vale lembrar que o Movimento Escola sem Partido, que inspira os projetos de lei apresentados em âmbito nacional e local, existe desde 2004, mas, apenas com o atual fortalecimento de setores conservadores da sociedade, vem ganhando formulações legislativas. Avalio a proposta como beligerante na medida em que estimula um denuncismo que, se for levado ao pé da letra, pode extirpar boa parte dos conteúdos escolares. Reafirmamos uma educação escolar que permita aos estudantes fazer leituras cada vez mais sofisticadas e críticas sobre o mundo, oportunizadas pelas apropriações dos bens da cultura, e defendemos que essas compreensões estejam a serviço da construção de uma sociedade justa, igualitária e fraterna.

Em seu programa de governo, há proposta para promover a gestão democrática nas escolas públicas? Em caso afirmativo, que medidas pretende desenvolver?
Como proposta concreta para democratizar a gestão escolar, apoiamos eleições diretas para gestores, garantindo uma gestão democrática, a partir da participação da comunidade e elegendo os profissionais qualificados. Nossa defesa é pela efetiva democratização da gestão, de modo a garantir participação da comunidade escolar nas decisões da sua própria unidade, bem como nas definições das políticas para a rede municipal. Defendo uma estrutura em que haja espaços de deliberações nas escolas e para as específicas escolas, nas regionais e para as regionais, e em um espaço maior, de deliberação, para as políticas de educação para a cidade. Desse modo poderemos ter consistência política e participação efetiva nas futuras revisões e elaborações do Plano Municipal de Educação.

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação foi modificada pelas leis 10.639 e 11.645. Em 2003 foi estabelecido o ensino da história e cultura da África nas escolas públicas, e em 2008 foi acrescentado o ensino de história e cultura indígena. Como avalia a implementação dessas leis nas escolas de seu município? Há em seu programa proposta específica para o desenvolvimento desses aspectos da LDB?
Em nosso plano de governo, defendemos organizar um programa de formação para os profissionais da Educação voltado para a educação das relações étnico-raciais, história da África, cultura afro-brasileira, história e cultura indígena, em consonância com o Estatuto do Servidor Municipal. Também asseguramos em nossas propostas a implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08 nas escolas, creches e nas escolas privadas no Sistema Municipal de Educação.

Um dos desafios para a educação brasileira é a valorização dos profissionais da educação. Qual sua avaliação sobre as condições de trabalho na rede de ensino de sua cidade? Sua proposta de gestão prevê o pagamento do PSPN aos professores?
Entendemos a valorização dos profissionais de educação como um dos pilares essenciais para a efetivação do conceito de educação integral. A política educacional que vem sendo implantada pelos últimos governos municipais rompe com a isonomia e desmonta o sistema de carreiras no funcionalismo público. Nessa perspectiva, defendemos a valorização dos professores, a partir da discussão sobre o piso nacional da CNTE e das garantias dos direitos trabalhistas, da regularização da situação funcional dos trabalhadores da educação, da ampliação das verbas e do repasse pontual, da abertura de concursos públicos, do incentivo à formação para viabilizar a educação especial e da garantia da autonomia da escola por meio de eleições diretas. Com relação à lei do Piso Salarial, ela deva ser considerada como patamar mínimo e deve incluir um terço da lotação para atividades fora do espaço da sala de aula. A valorização dos profissionais da educação deve ser contemplada com outros atributos, como um plano de cargos e carreiras atraente e estímulo à permanente formação.