Entrevista com candidatos à prefeitura | Carmen Migueles

Carmen Pires Migueles
Candiata à prefeitura do Rio de Janeiro pelo Partido Novo

A qualidade da oferta de educação escolar é apontada como um problema em todo o país. Como avalia a qualidade da escola em seu município e quais propostas um possível governo seu pretende desenvolver?
O Município do Rio de Janeiro progrediu em organização da Secretaria de Educação, mas há desafios grandes quanto a capacidade de resolver problemas sistêmicos e problemas de grupos de segmentos. Há também um desafio relativo à qualidade dos indicadores de universalização. Em rápido levantamento descobrimos que há crianças de 7 e 8 anos em Rio das Pedras, Bangu e Piedade fora da escola por dificuldade de vagas. Isso é um enorme problema, pois enquanto não pudermos garantir a universalização com qualidade é injusto prosseguir com outras alternativas.

Em termo de prioridades, propomos:
1. Organizar uma tipologia dos alunos por tipo de dificuldade;
2. Organizar uma tipologia das escolas (por tipo de inserção geográfica, público alvo, qualidade da infraestrutura, características demográficas dos professores);
3. Organizar comunidades de pratica para buscar soluções para cada grupo, aumentando a inteligência aplicada à solução de problemas;
4. Organizar o senso escolar e a gestão da informação para conhecer a demanda não atendida, as competências não utilizadas e as oportunidades de apoiar os talentos na rede na implantação de projetos piloto para o aumento dos resultados;
5. Buscar formas de resolver os problemas de forma colaborativa, com uso da tecnologia da informação/comunicação;
6. Estudar a possibilidade de incentivar o empreendedorismo de professores na abertura de alternativas extraclasse que possam gerar soluções de baixo custo para a prefeitura, que possa ser remunerado por atendimento aos alunos.Em síntese, aplicar técnicas e métodos de gestão para aumentar a capacidade de resolver problemas complexos e sistêmicos a partir do uso mais efetivo dos recursos, aumentando as alternativas para os professores de buscar formas mais inteligentes de atuar;
7. Fomentar a pesquisa aplicada ao desenvolvimento da educação municipal.

Os planos municipais de educação (PMEs) são instrumentos importantes na efetivação do direito à educação de qualidade de um município, visando um período de dez anos. O seu município possui o PME aprovado? Se sim, quais são as metas estabelecidas e quais serão suas ações para concretizá-las?
Sim, o Rio de Janeiro tem um PME, mas não parte de um diagnóstico robusto baseada em dados de qualidade e não apresenta estratégias claras de gestão a partir desse. Nota-se, também, no PME a falta de teorias que permitam estruturar analise de causas e endereçar ações prioridades. Por isso, as metas de médio e longo são frágeis, pois partem de pressupostos para os quais não há evidencia empírica adequada. Parte-se, por exemplo, do pressuposto de que a meta de universalização foi cumprida, que não é verídico. A nossa proposta é reduzir gastos em outras áreas, reduzir o número de secretarias, fazer uma pesquisa aplicada em parceria com uma instituição de pesquisa e ensino para fazer um diagnóstico mais robusto e rever o plano a partir dos dados empíricos e do benchmarking internacional.

No Plano Nacional de Educação (PNE), um norteador das políticas educacionais, fica estabelecida a “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”. Como isso seria elaborado em sua gestão?
De acordo com o Banco Mundial, a forma mais efetiva de combate às desigualdades é apoio à mãe pobre. A secretaria de educação tem um papel fundamental sobre isso pois as creches em horário integral garantiriam a segurança das crianças para que as mães pudessem trabalhar. O Rio tem uma demanda de cerca de 90 mil vagas em creches horário integral que precisamos estudar como atender. Há também o desafio de universalização da pré-escola, fundamental para a alfabetização nas diferentes linguagens.  Faremos uma análise dos recursos investidos hoje e o planejamento da expansão da oferta de creches e pré-escolas priorizando a partir das áreas de menor IDH e com uma matriz de avaliação de vulnerabilidade socioeconômica da família.

Um dos grandes desafios no PNE, que se relaciona diretamente às redes municipais, é a expansão da educação infantil. Que propostas tem para esta questão?
Dar foco a educação fundamental a partir das creches, investir em tecnologia de jogos para facilitar o aprendizado das linguagens (matemática, português e inglês) e ciências (com uma abordagem lúdica e interativa até a terceira série). Estudar formas de manter as crianças seguras em horário integral mesmo que não haja recursos para a construção de escolas na velocidade que seria adequada para universalizar o horário integral. Pensamos em alternativas como vouchers e outras.

Você acredita que a educação escolar pode promover a igualdade de gênero?
Nós, do Partido Novo, acreditamos que a escola deve ensinar a ética aplicada a todos os relacionamentos. Especialmente no ensino fundamental é necessário trabalhar a empatia, o respeito ao outro e a solidariedade como valores. Isso se aplica a todas as questões de desigualdades e minorias, sem  enfatizar as pequenas diferenças e sem dividir as pessoas por atributos específicos. Em termos de gênero, é importante entender as diferentes qualidades que nos unem e pensar os papéis de gênero para produzir uma sociedade melhor e mais solidaria.

O/A candidato/a tem conhecimento da existência de um movimento chamado “Escola Sem Partido” e os projetos de lei que tem sido criados a partir do mesmo? Qual sua posição?
Sim. Por um lado, como professora, tenho profundo desprazer ao ver professores utilizarem a sala de aula para fazer endoutrinação política e usar a sua autoridade para fortemente convencer os alunos da superioridade das suas crenças e sistemas de valor. A sala de aula é um espaço de liberdade na formação do pensamento crítico e analítico e isso não pode significar a escolha do professor pela “abordagem critica correta”. Como professora de história tenho restrições profundas ao material didático que reduz a história à luta de classes e ao estudo da “opressão dos povos”. O movimento Escola Sem Partido surge como uma reação legítima a essa tendência, mas peca por propor uma alternativa conteudista e pela ingenuidade de acreditar que seria possível a interlocução sem parcialidade.  O melhor seria que o professor entendesse por si mesmo a necessidade apresentar as suas preferencias como uma escolha, e apresentar visões opostas de forma respeitosa e honesta. Acho que é importante aumentar a participação dos pais nas escolas e manter o debate constantemente aberto como única forma de garantir uma educação que respeite a liberdade de pensamento do educando e tenha foco no desenvolvimento da discência ativa.

Em seu programa de governo há proposta para promover a gestão democrática nas escolas públicas? Em caso afirmativo, que medidas pretende desenvolver?
Acreditamos na importância da autonomia das escolas, entendendo autonomia como auto+nomos: capacidade de dar a si mesmo a lei e a regra – portanto como sinônimo de disciplina pessoal e profissional adequada para realizar os melhores ajustes dos meios aos fins, sendo o fim maior o foco no desenvolvimento integral dos alunos.

Recusamos a ideia de autonomia como liberdade para fazer o que bem entender. Entendemos democracia como conjuntos de regras que garante que a vontade da maioria prevaleça. Juntando os dois conceitos, a gestão democrática é o diálogo permanente entre as escolas, representadas por pais, professores, alunos e comunidade de forma orientada por uma política pública responsável por garantir o maior de todos os objetivos da gestão democrática das escolas que é o foco no aluno e no desenvolvimento das suas competências, habilidades e atitudes.

Nesse sentido, acreditamos na mensuração de resultados, na meritocracia (escolha dos melhores para professores em termos de capacidade de formular linhas de ação orientadas para a solução de problemas, que encontrem melhores alternativas e que produzam melhor resultado para os alunos) para liderar comunidades de pratica para o aprimoramento continuo dos professores e dos resultados. Propomos integrar ações dessa natureza com a criação de espaços de influência para esses professores participarem das buscas por solução e atrelar esses esforços à sua remuneração variável.

A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da educação foi modificada pelas leis 10.639 e 11.645. Em 2003 foi estabelecido o ensino da história e cultura da África nas escolas públicas, e em 2008 foi acrescentado o ensino de história e cultura indígena. Como avalia a implementação dessas leis nas escolas de seu município? Há em seu programa proposta específica para o desenvolvimento desses aspectos da LDB?
Achamos que o excesso de regulamentação em relação a conteúdos rouba autonomia do professor e da escola para trabalhar as competências dos alunos. Somos contra a escola conteudista. O conteúdo é meio para um fim e não um fim em si mesmo. Acreditamos que os professores podem usar esse tipo de conteúdo para ensinar que a história escolhe um ponto de vista e que há outros, igualmente válidos. É um conceito essencial num mundo global, com diferentes culturas e diferentes povos. Por outro lado, rejeitamos as políticas de valorização de minorias – pois acreditamos que os seres humanos têm muito mais coisas que os unem do que elementos que os dividem.  As minorias não são intrinsecamente mais fracas, apenas precisam de um espaço equitativo para desvelar o seu potencial.

Um dos desafios para a educação brasileira é a valorização dos profissionais da educação. Qual sua avaliação sobre as condições de trabalho na rede de ensino de sua cidade? Sua proposta de gestão prevê o pagamento do PSPN aos professores?
Acreditamos que, se tivermos sucesso, o PSPN perderá sentido no tempo. Acreditamos em dar foco a educação, saúde e segurança, reduzindo gastos com outras coisas para dar foco nessas três áreas fundamentais. Precisamos dos professores dedicados integralmente à escola e ao estudo e pesquisa sobre desenvolvimento infantil, participando de comunidades de pratica e trabalhando de forma orientada para resultados. Para isso precisaremos atrair e reter os melhores e pagar salários que permitam que os professores se dediquem às suas turmas sem ter que lecionar em várias escolas. O salário precisa atrair jovens competentes para a carreira do magistério e o PSPN é insuficiente para esse fim. É preciso repensar os fundamentos da gestão estratégica de pessoas na área pública para corrigir o déficit de professores e a baixa atratividade dessa carreira.