Doutorado Profissional: entenda a posição da ANPEd e conheça a experiência de Mestrados Profissionais em Educação

reportagem: João Marcos Veiga

A ANPEd e o FOPREd publicaram carta e enviaram ofício à CAPES nesta segunda (12) com preocupações sobre a criação dos Doutorados Profissionais no âmbito da pós-graduação brasileira. A modalidade foi instituída através de portaria ministerial (n° 389) do dia 23 de abril, revogando dispositivo anterior que regulava os mestrados profissionais.

O documento assinado pela Associação e pelo Fórum, que reúne programas de pós-graduação acadêmicos e profissionais de todo o país, afirma que tal proposição "demanda amplo debate na comunidade acadêmica, o que não aconteceu até este momento". Na sequência, são apresentadas preocupações diversas sobre objetivos dos doutorados profissionais a partir do texto de tal portaria, tais como a destacada ênfase no setor produtivo (que na maioria das vezes desconhece as características da grande área de Ciências Humanas e Sociais), a indefinição de como serão avaliados os produtos na modalidade, a diferenciação dos TCCs em mestrado e doutorado profissional, o prazo exíguo para publicações das regras (180 dias), dentre outros.

Clique aqui e acesse a carta da ANPEd e do FORPREd sobre os Doutorados Profissionais.

No dia 29 de maio, a diretoria da ANPEd já havia se manifestado sobre a questão enviando carta à CAPES igualmente expondo preocupações e solicitando informações acerca dos procedimentos definidos para o debate público, bem como uma posição sobre como apresentar as reflexões acumuladas no âmbito da experiência dos mestrados profissionais em educação.

"Em nome do princípio da publicidade das ações do poder público e da gestão democrática da educação, entendemos que estas novas regras precisam ser debatidas com as instituições de ensino superior, entidades científicas e comunidade em geral, de maneira a que a experiência acumulada nos mestrados profissionais e as demandas sociais sobre tal regulamentação possam ter incidência nas decisões a serem tomadas nas instâncias devidas", afirmava a carta assinada pela presidente da Associação, Andrea Barbosa.

Em resposta, a diretoria de Avaliação da CAPES informou que a ideia é aguardar que as discussões feitas pelas áreas possam ir balizando e ajustando os critérios, apesar de não propor procedimentos e espaços de escuta. "Para a análise das novas propostas contamos com a experiência acumulada pelas áreas e com as referências internacionais de modo a orientar nossos consultores visto que seria impertinente estabelecer regras muito estritas uma vez que no país ainda não temos experiência com esses doutorados", afirma a mensagem assinada pela diretora Rita Barata, que argumenta que o adiamento da existência dessa modalidade "não nos ajudaria em nada". Em entrevista concedida ao portal da ANPEd, ela voltou a defender a efetivação do doutorado profissional no país.

Clique aqui e confira a entrevista completa com Rita Barata, coordenadora de Avaliação da CAPES.

Rita Barata afirma que a agência tem uma uma avaliação sobre a experiência dos mestrados profissionais "bastante positiva de modo geral". Para ela, o que deverá diferenciar a produção do mestrado daquela do doutorado será "a complexidade dos problemas tratados e o grau de aprofundamento que o maior tempo dedicado ao doutorado poderá trazer".

Rita Barata (CAPES) em seminário da ANPEd sobre avaliação em Fortaleza (CE). Abril de 2017. Foto: João Marcos Veiga / ANPEd

"O doutorado profissional é destinado à formação profissional de alta qualidade, formação essa que pretende embasar a atuação profissional no desenvolvimento científico e tecnológico. Um dos principais objetivos dos programas profissionais é ampliar a produção de pesquisas estratégicas e o desenvolvimento tecnológico nos setores produtivos (agricultura, indústria e serviços) e no setor de políticas públicas." Rita Barata (CAPES).

No ofício elaborado sobre o tema, ANPEd e FOPREd afirmam que "Esta forma de caracterizar a relevância da formação em mestrados e, agora, doutorados profissionais significa uma submissão dessa modalidade aos interesses do setor produtivo, em detrimento do desenvolvimento de pesquisa científica, tecnológica e social nas/pelas Universidades voltado à comunidade".

Sobre questionamento se a falta de uma política de bolsas não seria um problema para o reconhecimento da modalidade dentro do sistema de pós-graduação, Barata responde ser necessário diferenciar "reconhecimento" de "fomento", além de colocar que, em sua visão, "parece haver muita dificuldade na comunidade acadêmica de vislumbrar as potenciais fontes de financiamento para além da CAPES, mas elas existem e já estão financiando os mestrados profissionais em diversas áreas".

A posição de que os Programas de Pós-Graduação, modalidade profissional, devem buscar parcerias, convênios e auxílio com empresas e organizações públicas e privadas, aparece como uma das diretrizes para tal oferta. No entanto, a carta produzida pela ANPEd aponta que nem todas as áreas têm a mesma dinâmica que viabilize tais acordos. "Evidenciamos que nestes últimos oito anos, especialmente, nas áreas de humanidades as quais têm uma relação, compromisso e inserção social com as redes públicas de saúde, educação, cultura, artes, lazer entre outras, vem passando pelas mesmas dificuldades das Universidades Públicas, sem possibilidade de autofinanciamento. Assim, como formar profissionais melhores, mais preparados para atender às principais demandas do Brasil se não há clareza de como buscar parceria e insumos? Há de se destacar também que as IES públicas não têm autonomia financeira, fora os entraves na captação de recursos próprios de uma IES. Deste modo, como buscar parceiras para cuidar e zelar pela saúde, educação, cultura, lazer, entre outras áreas, que não interessam ao capital e ao setor produtivo?"

Tânia Hetkowisk (UNEB), que foi coordenadora adjunta de mestrados profissionais na área de educação na CAPES em 2016, considera que o país não tem experiências dessa modalidade em nível de Doutorado. Para ela, a Portaria 389/2017, que revoga a Portaria 17/2009, esvazia as orientações que foram construídas nesses últimos anos, especialmente na área da Educação. "Assim, consideramos que o principal desafio é a adequação da normatização desta modalidade, a qual não esteja centrada nos arranjos produtivos na competitividade, produtividade, na proximidade das universidades com empresas e na criação e geração de produtos para o setor mercadológico e industrial", defende. "Precisamos superar esse discurso de que a os programas stricto sensu, modalidade profissional, estão propensos à formação de profissionais das áreas de exatas, engenharias, aplicadas ou correlatas. Esta modalidade somente tem sentido dentro das instâncias da CAPES se atender à formação de profissionais de diferentes áreas e salvaguardar suas especificidades, suas identidades e seus estatutos."

Tânia Hetkowisk. Foto: UNEB

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Hetkowisk igualmente questiona se a CAPES e suas instâncias reguladoras não deveria estar dialogando mais com a sociedade à construção de parâmetros para o doutorado nesta modalidade. "Um doutorado tem a duração de quatro anos. Como um estudante poderá se manter caso a CAPES e o Programa se consolidarem sem recursos financeiros? Estas e inúmeras outras questões perpassam as preocupações dos coordenadores, docentes e discentes que fazem o cotidiano desta modalidade stricto sensu na área da Educação em todo Brasil."

 

Prazo e histórico

Até o final de setembro (prazo de 180 dias) a CAPES terá que regulamentar e disciplinar, por meio de portaria, a oferta, a avaliação e o acompanhamento dos programas de mestrado e doutorado profissional. Em comunicado à ANPEd, Rita Barata disse que "A portaria da presidência da CAPES está para ser publicada mas também deve ser bem simples exatamente porque consideramos que a experiência acumulada com os mestrados profissionais torna desnecessário um detalhamento maior".

Os títulos de mestres e doutores obtidos nos cursos profissionais avaliados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), reconhecidos pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e homologados pelo Ministro de Estado da Educação, terão validade nacional.

A modalidade de mestrado profissional foi instituída em 1995 (nº 47/95), com reorganização e detalhamento de orientações três anos depois (portaria (nº 80/98), recebendo por fim aperfeiçoamento ao final da década passada (nº 17/2009). Para instituir o doutorado profissional, a recente portaria ministerial precisou revogar o texto de 2009 que dispõe sobre o mestrado profissional. Em sua carta, a ANPEd frisou essa preocupação quanto a uma revisão das normas já estabelecidas e uma possível junção dos cursos.

ANPEd e FORPREd não desconhecem que a intenção de criar Doutorados Profissionais pode representar mais um passo de fortalecimento da pós-graduação brasileira. No entanto, reforçam que não se pode abdicar de um diálogo com a comunidade acadêmica, "representada pelas IES e sociedades científicas, as quais são as responsáveis pela construção das propostas, que vivem diferentes realidades de norte ao sul, que carecem de parceria de instâncias como a CAPES e o CTC, que vivenciam processos de definição de critérios e de indicadores homogêneos sem considerar as singularidades do cenário brasileiro e sem uma ampla participação destes agentes estratégicos na operacionalização da formação pós-graduada. Diante dessas questões, reafirmamos a necessidade de aproveitar este momento como oportunidade de avançar na explicitação de regras pactuadas com a comunidade acadêmica", pontua o documento.

Experiência dos Mestrados Profissionais em Educação

A criação e funcionamento do primeiro Programa de Pós-Graduação em Educação, modalidade Profissional, foi em 2009. Após quase uma década, estão em pleno funcionamento 44 programas distribuídos nas cinco regiões do Brasil. Segundo Tânia Hetkowisk (UNEB), que foi coordenadora adjunta de mestrados profissionais na área de educação na CAPES em 2016, as experiências nessa modalidade permitem antever a intensidade das relações entre Universidade e Educação Básica, explorando temas relativos à gestão educacional,  sistemas de ensino, ensino e aprendizagem, tecnologias na educação, curricularização, políticas públicas, inovações pedagógicas, tecnologias educacionais entre outros.

"Avaliamos esta experiência, ainda jovem, através de elementos positivos no que se refere à formação de profissionais da educação, à produção de trabalhos que permitem a inserção e impacto social, à exploração da pesquisa aplicada, à imersão nas escolas e em outros espaços educacionais, ao efetivo compromisso da universidade com a escola e, às possibilidades de trabalho colaborativo entre alunos e professores de diferentes níveis de ensino." Tânia Hetkowisk (UNEB)

Por outro lado, Hetkowisk aponta que os desafios encontrados desde a criação da Portaria 17/2009 estão centrados no desconhecimento pelas instâncias da CAPES e do CTC acerca desta modalidade e de suas singularidades, "uma vez que para recomendar, acompanhar e avaliar, as Comissões deveriam vivenciar o modus operandi desses mestrados profissionais. Isso poderá refletir negativamente nas avaliações dos mestrados profissionais desta área". Outro fator que interfere na consolidação, segundo a professora e pesquisadora da UNEB, é a falta de recursos financeiros (bolsas ou de apoio a eventos, publicações, viagens entre outros).

"A área da Educação atende às demandas das redes públicas, as quais se deparam com os mesmos problemas orçamentários das Universidades Públicas, espaços onde estão centrados 90% dos Mestrados Profissionais na em Educação." Tânia Hetkowisk (UNEB)

Coordenadora do Mestrado Profissional da PUC-SP, Marli André considera a modalidade de Mestrado Profissional é da mais "alta relevância social e política, porque queremos colaborar com a melhoria da qualidade da educação pública, em especial a educação fundamental". Segundo ela, os alunos do programa afirmam que o curso os ajuda a ter um novo olhar para o trabalho. "Os resultados têm sido excelentes: os trabalhos finais do Mestrado estão centrados na prática profissional dos mestrandos, têm sido muito elogiados pelos membros externos das bancas pela sua qualidade e relevância e vários deles foram apresentados em eventos." A coordenadora ainda conta que tem recebido significativos feedback dos egressos em termos de ações efetivas em seus postos de trabalho após o curso, com muitos deles tendo divulgado seus trabalhos nas Diretorias de Educação, com relatos de ascensão na carreira. Dos 45 trabalhos defendidos no Mestrado Profissional da PUC-SP até o momento, oito dos discentes continuaram estudos no doutorado acadêmico.

Paralelamente a isso, Marli André aponta alguns desafios continuamente enfrentados no Mestrado Profissional, sobretudo o imperativo de se recriar as práticas formativas, pois a maioria dos professores nesta modalidade tem longos anos de experiência no mestrado e doutorado acadêmicos.

"Nossos alunos são profissionais da educação básica, 80% da rede pública. Não podíamos repetir nossas práticas do acadêmico. Assim tivemos que refazer conteúdos e práticas, voltando-as para a realidade da escola. Ao mesmo tempo, procuramos formar profissionais que sejam pesquisadores práticos, pessoas que analisem criticamente sua prática e saibam onde buscar recursos e fundamentos que as auxiliem a melhorar seu trabalho profissional." Marli André - coordenadora de MP em Educação - PUC-SP

No entanto, a coordenadora relata que o programa recebeu com  surpresa e indignação a Portaria da CAPES que institui o Doutorado Profissional. "Não entendemos o que se busca com o doutorado profissional. Parece que esse doutorado vem atender a necessidade de título para os cursos PROFs (PROFMAT, PROFLETRAS, PROFBIO), uma linha paralela de mestrado profissional que atende a interesses não muito claros e cujos resultados efetivos desconhecemos", afirma.

Já Lúcio Jorge Hammes afirma que a portaria da CAPES foi recebida com "alegria", algo "já aguardado" no Mestrado Profissional do qual é coordenador, na UNIPAMPA. "O doutorado é aguardado por um bom grupo de egressos que desejam continuar o estudo na mesma perspetiva de formação, ampliando os estudos. Diversos ex-alunos já nos procuram para saber dos processos", afirma Hammes. O coordenador diz aguardar a regulamentação da CAPES e que, se tiverem condições, ofertarão o Doutorado Profissional, "pois a nossa realidade educação requer a formação mais qualificada dos nossos profissionais, também com o doutorado".

Alunos e Professores do programa de Mestrado Profissional em Educação - UNIPAMPA (turma 2016)

O professor conta que o Mestrado Profissional em Educação da UNIPAMPA surgiu com o reconhecimento dos docentes do campus Jaguarão às demandas identificadas com sua atuação junto às escolas da região sul do Brasil. O curso foi recomendado pela Capes em abril de 2012 e em agosto do mesmo ano a primeira turma iniciou os estudos. "Todos estávamos muito empolgados e animados com as perspectivas que se abriam", relembra. O formato do trabalho de conclusão se dá com a produção de um documento de pesquisa denominado Relatório Crítico-Reflexivo, resultado do desenvolvimento de um Projeto de Intervenção no espaço institucional de atuação do pós-graduando, com a orientação de um professor do Programa de Pós-Graduação, submetido às bancas de qualificação e a uma defesa final. Estão previstas para 2017 as bancas para a quarta turma a se formar nessa modalidade no programa.