ANPEd Nordeste 2018 em João Pessoa (PB) é marcada pela união e defesa do pensamento de Paulo Freire

reportagem e imagens: João Marcos Veiga

O 24º Encontro de Pesquisa Educacional do Nordeste, que se encerrou no último dia 22 de novembro, fechou o ciclo das cinco regionais da ANPEd realizadas em 2018. O EPEN assumiu com qualidade e profundidade o desafio de debater o tema "Educação e Democracia em Risco: o papel da pós-graduação em tempo de crise". O exemplo disso foi o auditório do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) lotado para prestigiar a conferência de encerramento, proferida pela Eliete Santiago (UFPE) sobre o testemunho de respeito à humanidade na vida e obra de Paulo Freire, que foi seu amigo e orientador de doutorado após o regresso do pesquisador em exílio durante a ditadura militar. Como destacou a professora, o pensamento do educador, por seu caráter de diálogo, questionamento de padrões e defesa dos sujeitos, sempre foi perseguido, desde os anos 50. "Por isso, defender e estudar Paulo Freire é uma escolha política", afirma Santiago. A sessão contou com testemunhos emocionados de professores que tiveram no legado de Freire um norte para se dedicarem à docência. Ao fundo, a frase do patrono da educação brasileira dava sentido a tal momento: "Em um país como o Brasil, manter a esperança viva é em si um ato revolucionário".

Mesmo num contexto difícil, o encontro superou as expectativas em termos de envolvimento de programas, docentes e discentes. Foram 551 trabalhos aprovados (sendo 650 submetidos) e mais de 900 pessoas inscritas. "O EPEN demonstrou sua força, sua capacidade de organização e fez um evento maravilhoso, discutindo uma temática importantíssima no cenário atual", pontuou Edineide Jezine (UFPB), coordenadora local da reunião. Para a vice-presidente da ANPEd pela região Nordeste, Isabel Sabino (UECE), "o encontro termina com uma mensagem de muita esperança, tendo o EPEN como movimento de resistência pra que a gente possa seguir em frente nestes próximos anos". 

A ANPEd Nordeste 2018 foi sediada na cidade de João Pessoa, capital paraibana que fascinou os presentes não apenas por suas praias, mas pela acolhida, simpatia da população e infraestrutura. A abertura do encontro se deu no belíssimo Teatro Pedra do Reino do Centro de Convenções da cidade, com capacidade para milhares de pessoas. Dentre as falas da coordenação local, representantes e autoridades, a presidente da ANPEd frisou o momento emblemático pelo qual passa a Associação e o país. "A ANPEd nasceu em meio à ditadura, em um ano em que se extinguiam os efeitos do AI5 ao mesmo tempo em que se aprovava lei proibindo greves no setor público, que de qualquer forma estavam proibidas desde o AI5. 40 anos depois nos vemos novamente chamados a defender a democracia. Não há direito à educação plena sem democracia, sem liberdade plena de expressão, sem possibilidade de diálogo. A ANPEd tem se posicionado fortemente em favor da democracia e teremos que usar toda nossa inteligência e capacidade crítica para continuar defendendo a educação como direito de todos e a pesquisa com compromisso social, num período em que tais valores perderam espaço no processo eleitoral." Clique aqui para acessar o discurso de Andréa Gouveia Barbosa na abertura do encontro. 

Após apresentações culturais com performances musicais, poéticas e teatrais de alunos da universidade, comovendo os presentes, o professor Timothy Ireland proferiu a conferência de abertura. Inglês radicado no Brasil há 40 anos, o pesquisador da UFPB chamou a atenção para as urgências sociais e ambientais que o país e o mundo passam, mas igualmente destacou a importância da ciência para promover novas formas de desenvolvimento e, sobretudo, união.

Desenvolvimento e arte pautados no respeito às tradições e economia local estão presentes na obra do artista plástico Josafá de Orós, cujas xilogravuras de plantadores de algodão na região de Campina Grande inspiraram a identidade visual do encontro. Poeta e sociólogo, Josafá também teve textos de sua autoria interpretados pelo grupo poético Evocare ao longo de todo evento, incluindo marcante denúncia do assédio cotidiano a mulheres e de descriminação racial no dia 19 de novembro, data que celebra a Consciência Negra. Após as performances, foram realizados lançamentos de livros com autores de diversos estados da região, que falavam ao microfone de forma sucinta sobre a pesquisa - o formato, único dentre as regionais, destacou os trabalhos e conferiu importante envolvimento junto aos presentes.

Ao longo de quatro dias de encontro, a ANPEd Nordeste 2018 promoveu trabalhos encomendados, apresentações e comunicações orais nos 26 GTs, além de sessões especiais e rodas de conversa com destacados pesquisadores da região, que debateram temas diversos como Formação de Professores, Educação do Campo, Financiamento do Ensino Superior, Reformas, EJA, Educação Infantil e Inclusão. Ludmila Oliveira Cavalcante, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), esteve presente em mesa sobre movimentos sociais na região. "Estamos vivendo tempos de criminalização dos movimentos sociais e mesmo com as universidades de certa forma sob vigília em seu potencial de autonomia política e pedagógica. Nesse sentido, foi uma mesa que trouxe inquietações e reflexões sobre esse momento e sobre as possibilidade de diálogo entre os movimentos e as universidades enquanto extensão, qualificando essa relação", explicou.

Promovido por programas de pós-graduação da UFPB e da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), o encontro trouxe professores, mestrandos e doutorandos de todos estados do Nordeste, alguns pela primeira vez no EPEN. Rogério Maciel Nunes faz mestrado na Universidade Estadual do Ceará (UECE), pesquisando impactos negativos do agronegócio na educação no interior do estado. Foi a primeira vez que o jovem saiu do Ceará. "Fiquei encantado com o evento, muito grande, com excelentes mesas. Conheci muita gente e me surpreendi pelo interesse das pessoas pela minha pesquisa. Tenho certeza que o retorno que elas me deram vai ajudar muito no meu trabalho", comemora. Natália Meireles da Silva também apresentou trabalho, mesmo estando ainda no quinto período de graduação em Pedagogia na UFPB. E no decorrer do evento ela foi uma das dezenas de monitores que possibilitaram a realização da ANPEd Nordeste, auxiliando nas sessões e organização. "Foi uma experiência muito boa e que inclusive me motivou a querer fazer um mestrado e doutorado na área", conta. Já Thiago Santos e Elizângela Santiago, doutorando e mestranda da UFPE, traziam no rosto pelos corredores da universidade uma alegria extra: o evento era o primeiro dos dois como namorados.

A reunião do Fórum dos Coordenadores de Programas de Pós-Graduação em Educação da região Nordeste, FORPREd-NE, definiu, após votação entre duas candidaturas, a cidade de Salvador (BA) como sede do próximo EPEN, em 2020.