Medida Provisória 729/16 | Entrevista com Vânia Araújo (UFES) e Edson Peixoto (IFES)

 

Entrevista com Vania Carvalho de Araújo, professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo e coordenadora do Núcleo de Educação Infantil da mesma universidade e com Edson Maciel Peixoto, professor de Educação Profissinal e Tecnológica da Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo - Campus Cachoeiro de Itapemirim. A entrevista integra reportagem especial da ANPEd sobre a Educação Infantil.

 

A Medida Provisória 729/16 altera a Lei 12.722/12, mudando as regras de transferência de recursos da União para municípios e para o Distrito Federal, para apoio financeiro suplementar à educação infantil. Qual o impacto das novas regras?

Como tais regras se relaciona com as metas de expansão da Educação Infantil previstas no PNE, considerando seus impactos nas redes públicas e conveniadas?

 

A Lei 12.722/12 trata da obrigatoriedade de transferência de recursos da União aos municípios e ao Distrito Federal com a finalidade de prestar apoio financeiro suplementar à manutenção e ao desenvolvimento da educação infantil para o atendimento em creches de crianças de 0 a 48 meses que atendam a determinados critérios.

Se até a vigência desta lei o único critério de elegibilidade era o atendimento às crianças cujas famílias eram beneficiárias do Programa Bolsa-Família (PBF), com a Medida Provisória 729/2016 editada pelo atual governo, e com as alterações propostas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, por meio do Projeto de Lei de Conversão nº 26/2016 e a posterior promulgação da Lei nº 13.348 de 10/10/2016, amplia-se o atendimento às crianças com deficiência, e às beneficiárias do BPC (Benefício de Prestação Continuada), de maneira não cumulativa.

É fato que tanto a MP 729/2016 quanto o Projeto de Lei de Conversão nº 26/2016 ampliam o público-alvo previsto na Lei nº 12.722/12 com recursos financeiros suplementares a serem transferidos obrigatoriamente pela União aos Municípios e ao Distrito Federal, ficando mantidas a transferência desses recursos para o atendimento às crianças matriculadas em estabelecimentos educacionais públicos ou em instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos conveniadas com o poder público, em tempo parcial ou integral.

Contudo, se a lei de nº 12.722/2012 estabelecia que o apoio financeiro suplementar correspondia a 50% do valor anual mínimo por aluno definido no FUNDEB, a MP 729/16 retira a vinculação ao FUNDEB e estranhamente indica que ato do Ministério de Estado do Desenvolvimento Social e Agrário é quem definirá o valor do apoio financeiro suplementar. Na Câmara dos Deputados, manteve-se a retirada da vinculação ao FUNDEB e inclui o Ministério da Educação como parte na definição do valor do apoio financeiro suplementar. Tais alterações foram sancionadas pelo atual Presidente.

Vale aqui ressaltar que, delegar a Ministros a edição de ato sobre o valor criança/ano, não garante recurso algum, podendo, inclusive, implicar a não busca ativa dessas crianças para matrícula nas creches. Assim, perde-se a garantia e a previsibilidade da utilização do FUNDEB, ou seja, não há vinculação a uma base de cálculo claramente definida.

Da mesma forma, se a Lei nº 12.722/2012 não previa a adoção de critério elegível de ente federado para fazer jus ao apoio financeiro, à exceção de ter crianças matriculadas nas creches cujas famílias fossem beneficiárias do PBF, a partir da edição da Medida Provisória e sanção da atual Lei 13.348/2016, os Municípios e o DF, além de não saberem previamente o valor/criança/ano, só receberão recursos se tiverem ampliado nos dois anos imediatamente anteriores, o quantitativo de crianças beneficiárias do BPC, de crianças das famílias beneficiárias do PBF e de crianças com deficiências. O efeito dessas medidas meritocráticas, pode, a médio prazo, auxiliar na META 1 do PNE (sobretudo no que diz respeito à ampliação da oferta de creches), mas a curto prazo pode impactar negativamente no já defasado orçamento educacional da maioria dos municípios brasileiros e, dessa forma, provocar efeito reverso, ou seja, não entrar na agenda prioritária do ente federado e com isso postergar a universalização da educação infantil prevista no atual Plano Nacional de Educação.

Outra alteração proposta na Medida Provisória nº 729/2016 foi a criação de percentuais máximos para a transferência desses recursos. A proposta era destinar 25% do valor/criança/ano aos entes federados que não cumprissem a meta anual de atendimento dessa política e 50% àqueles que a cumprissem. No entanto, o Projeto de lei de Conversão nº 26/2016 da Câmara dos Deputados altera  a previsão de percentuais máximos, para percentuais mínimos. Essa alteração provocou o veto total do Presidente.

Esse veto demonstra claramente a intencionalidade do atual governo de reduzir as transferências obrigatórias para o atendimento ao apoio suplementar aos Municípios e Distrito Federal, pois o que passa a valer na prática é a ampliação do quantitativo de crianças atendidas, sem a qual os entes federados não terão acesso ao apoio financeiro suplementar, mesmo se contemplem a elegibilidade dos critérios.

Um outro veto do atual governo diz respeito à proposta aprovada na Câmara e no Senado que trata de uma medida que buscava garantir,excepcionalmente, para os anos de 2016 e 2017, aos municípios com até 20.000 habitantes, os recursos previstos na lei 12.722/2016, qual seja, 50% do valor/criança/ano do FUNDEB. Esse mecanismo poderia ser o indutor da política de ampliação da oferta de creches, uma vez que garantiria uma transição temporal sem a perda de recursos.

Se a atual Lei 13. 348/2016 altera os critérios de elegibilidade, ampliando-os às crianças com deficiência e beneficiárias do BPC, apresenta retrocesso na garantia de financiamento e do direito das crianças às creches.