Informativo e Nota da ABA em repúdio ao relatório da CPI FUNAI/INCRA 2

A ABA expressa sua profunda indignação e preocupação com acontecimentos recentes e futuros que antecedem, se instalam e podem suceder à constituição da CPI FUNAI/INCRA 2.

Foi votado e aprovado no dia 18 de maio o Relatório tal como proposto pelo relator Deputado Nilson Leitão, do PSDB e Presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), conhecida como a Bancada Ruralista.

Contudo, dois importantes destaques propostos pela oposição, não foram ainda votados. Um destaque se refere às proposições. O outro aos indiciamentos. Importantes textos conclusivos do Relatório, em tese,  podem ainda ser modificados.

Ao encerrar a sessão, em função da abertura da ordem do dia no plenário da Câmara, o Presidente da CPI deputado Alceu Moreira do PMDB e também membro da FPA informou que a reunião para a votação dos destaques estava convocada para terça-feira dia 23 de maio. Declarou que estava adiando a votação, tendo em vista “acordo com a oposição”.

No Relatório aprovado, consta a proposta de indiciamento de 21 antropólogos e antropólogas.  (Mais do que está sendo anunciado na mídia que ora fala em 9, ora em 15. Verificamos com os indiciados). O Relator retirou oralmente, o nome do antropólogo falecido Paulo Pepe da Silva e também o nome de um dos outros indiciados, falecido, servidor do INCRA, Carlos Antônio Dai-Prá.

Os indiciamentos são feitos sem fundamentação fática ou jurídica. O simples conhecimento e relacionamento prévio e atual que antropólogos/as estabelecem com as comunidades indígenas e quilombolas são considerados indícios de “conluio”, de “parcialidade” e, em decorrência, são acusados de “fraudes” e de “falsidades ideológicas”.

Desconhecem e desconsideram que o conhecimento aprofundado de uma comunidade indígena ou quilombola, como de qualquer outra comunidade tradicional ou moderna, é parte inerente dos procedimentos etnográficos consolidados da ciência antropológica e reconhecidos nacional e internacionalmente pelo campo científico.  Propõem que os indiciamentos sejam distribuídos diretamente a Polícia Federal, sem que se obedeça a Constituição que exige que os indiciamentos sejam encaminhados à Procuradoria Geral da União (parágrafo terceiro do Artigo 58 da Constituição).

O Relatório aprovado desconsidera que todos os indiciados, indígenas lutando pelos seus direitos, missionários, servidores públicos da Funai e do INCRA e antropólogos (sejam eles servidores, professores universitários ou pesquisadores), estão realizando funções previstas na Constituição e nas leis em vigência. Encaminha para a corregedoria Procuradores da República pelo simples fato de exercerem suas funções, todas elas  previstas na Constituição de 1988. 

Os indiciamentos incidem nos estados básicos eleitorais da bancada ruralista, onde há interesse por terras desta mesma bancada ruralista: Mato Grosso, Mato grosso do Sul, Bahia, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

O objetivo maior parece ser o bloqueio das demarcações de terras e territórios indígenas e quilombolas. Explicitamente o relatório propõe a “hierarquização” das terras que poderiam vir ou não a serem demarcadas. Propõe que  a ocupação tradicional possa ser reconhecida restritamente ao  marco temporal de 1988, desconhecendo a ação anterior do estado em desocupar ou dificultar a ocupação de tantas comunidades indígenas em anos imediatamente anteriores à Constituição. 

A preocupação da ABA é profunda. Os resultados da CPI podem contribuir para significativo aumento dos conflitos por terra, para a paralisação das demarcações de terras indígenas e territórios quilombolas e para o não reconhecimento dos direitos não só indígenas, mas de todas as minorias sociais no campo.

E por último, a indignação é profunda pelo forte ataque à liberdade do exercício da profissão de antropólogo/a e pelo forte ataque ao conhecimento produzido pela ciência antropológica e pelas ciências humanas.

Conseguimos que não fosse apresentado para votação o requerimento de quebra de sigilo bancário e fiscal da ABA durante esta CPI. O nome da nossa saudosa antropóloga Ruth Cardoso fez efeito, assim como fizeram efeito as moções de repúdio a CPI e apoio a ABA de inúmeras associações científicas e instituições de pesquisa nacionais e internacionais e cidadãos, cidadãs, pesquisadores/as das mais diversas áreas do conhecimento. 

Ainda assim perdurou o indiciamento de  antropólogos/as. Foram novamente enviadas para a ABA  inúmeras moções de instituições de pesquisa universitárias e associações nacionais e internacionais  da antropologia e das Ciências Humanas repudiando o indiciamento de antropólogos e antropólogas. Entre elas moção aprovada pela Assembleia do Conselho Mundial das Associações Antropológicas (WCAA) ocorrida em Ottawa, Canadá. 

Encaminhamos todas estas moções aos membros da CPI, ao Presidente da Câmara dos Deputados , a todos os  líderes partidários e a todos os membros do Supremo Tribunal Federal.

Continuaremos a lutar para que não sejam aprovados os absurdos indiciamentos de antropólogos. 

Continuaremos a lutar para que ninguém seja indiciado pela sua atuação na defesa dos direitos constitucionais de indígenas, quilombolas, populações tradicionais e do campo.

Continuaremos a lutar para que as proposições de políticas e leis desta CPI, se aprovadas, não sejam implementadas. Se o forem, direitos fundamentais constitucionais estarão em perigo.

Profa. Dra. Lia Zanotta Machado

Presidenta da ABA

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