Geraldo Leão | Universidade Pública: democracia, diferença e resistência

Geraldo Leão

É difícil traduzir em poucas palavras o que a universidade pública brasileira representa em minha trajetória. São pouco mais de trinta anos de convivência como estudante e como professor. Quando concluí o antigo segundo grau, a seletividade para o ensino superior era ainda maior. Foi com muito esforço, trabalhando e fazendo um pré-vestibular noturno que consegui furar o bloqueio das vagas reservadas às elites.

No início dos anos 90 ingressei no curso de Mestrado em Educação na UFMG. Foi um período difícil, com vários ataques à autonomia universitária e cortes de recursos para coisas básicas, como água e luz. Quando me tornei professor na UFMG, em meados dos anos 90, me deparei com essa difícil realidade. Vários professores se aposentaram em função das ameaças de perdas de direitos, os recursos para pesquisas minguavam e a pressão para aumentar nossa produtividade era grande. Nesse período desenvolvemos várias lutas contra o sucateamento da universidade pública e em defesa de sua autonomia.

Mas também era uma nova geração, com disposição para desenvolver estudos e projetos de extensão. Grupos de pesquisa surgiram e oxigenaram a vida universitária com novas questões. Uma primeira experiência minha como docente foi no Projeto de Ensino Fundamental de Jovens e Adultos da UFMG, onde a questão do direito à educação para pessoas excluídas da escola  é central. Em 2004 conclui meu doutorado e ingressei no Observatório da Juventude da UFMG. Trata-se de um grupo de pesquisa, extensão e formação cujo foco é a condição juvenil brasileira, com o recorte nas ações afirmativas. Várias/os estudantes de graduação e pós-graduação passaram pelo grupo e hoje são professoras/es universitárias/os ou educadoras/es na educação básica. Elas/eles carregam consigo um compromisso com a sua origem social e com a luta por articular produção do conhecimento e inclusão social. Tais experiências somente foram possíveis porque a Faculdade de Educação da UFMG fez uma clara aposta numa educação crítica, comprometida com a construção de uma sociedade justa e capaz de reconhecer as diferenças.

Apesar de limites e contradições nas políticas para o ensino superior e dos avanços ainda tímidos da universidade pública em termos de inclusão social, a confiança na universidade como espaço democrático de debate de ideias nunca esteve tão forte nessa última década.  Talvez esse seja o grande motivo para a reação conservadora que observamos hoje. O enegrecimento, a maior diversidade de orientações sexuais e a inclusão social – de pobres, camponeses e indígenas – incomodam setores da elite brasileira que sempre fizeram da universidade pública um lugar de privilégios.

Hoje a universidade pública é alvejada em dois flancos. De um lado, discursos conservadores querem silenciar pelo medo o pensamento crítico, defendendo um “ensino ideologicamente neutro”. O objetivo é impedir que a universidade discuta questões estruturais de nossa formação social que reproduzem subalternidades: o racismo, o patriarcalismo e o colonialismo. De outra parte, ressurgem os discursos privatistas. Exatamente quando os filhos das camadas populares começam a ter ampliado seu direito de acesso ao ensino superior público, retomam-se discursos contra a gratuidade da universidade pública.

Diante disso, minha trajetória e de diversos colegas que comungam comigo dos mesmos ideais nos convida a resistir. Resistir contra as ameaças de recuos e construir sempre formas de ampliar direitos! Essa é uma tarefa da qual os docentes comprometidos com uma universidade pública e para todos não abrirá mão!

 

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