Confira a análise das prospostas para Educação do programa de governo do candidato à presidência Geraldo Alckmin (PSDB), realizada por Marcos Ferraz - Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor de política educacional no curso de Licenciatura em Pedagogia e no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e diretor eleito do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
- Clique aqui e confira a prosposta de programa de governo completa do candidato Geraldo Alckmin do PSDB
Durma com um silêncio desses
Um paradoxo se estabelece quando procura-se analisar as diretrizes de uma proposta de governo. Explicitando o paradoxo: não é simples analisar uma proposta de governo porque esses documentos são simples em demasia. O documento “Geraldo Alckmin Presidente – Diretrizes Gerais – Julho de 2018”, assim como seus similares de outros candidatos, é um documento que envolve apresentação de propostas e necessidade de convencimento publicitário, transformando-se em um conjunto de tópicos generalistas, de fácil assimilação para um leitor médio e que evita estabelecer metas precisas. Esta não é uma característica específica da proposta de Geraldo Alckmin, mas da natureza desse tipo de documento e pode ser percebida no material de todos os demais candidatos.
Assim, faz-se necessário interpretar o documento, no interior de um contexto mais amplo das políticas públicas do período democrático brasileiro. Mas, inicialmente, é preciso sintetizar as propostas do candidato para a área educacional:
- Descentralizar o poder e dar mais autonomia para estados e municípios (pag. 6);
- Vamos dar prioridades à primeira infância. Promoveremos a integração de programas sociais, de saúde e educação, do período pré-natal até os seis anos de idade, para que nossas crianças possam ter, de fato, igualdade de oportunidades (pag. 10);
- Investiremos na educação básica de qualidade e teremos como meta crescer 50 pontos em 8 anos no PISA (pag. 10);
- A revolução na educação básica requer um sério investimento na formação e qualificação dos professores. Vamos transformar a carreira do professor numa das mais prestigiadas e desejadas pelos nossos jovens (pag. 10);
- Garantir que todas as crianças estejam plenamente alfabetizadas até 2027 (pag. 11);
- Fortaleceremos o ensino técnico e tecnológico, qualificando os jovens para atuar na nova economia (pag. 14);
- Vamos estimular as parcerias entre universidades, empresas e empreendedores para transformar a pesquisa, a ciência, a tecnologia e o conhecimento aplicados, em vetores do aumento da produtividade e da competitividade do Brasil (pag. 14).
Tomado em sua generalidade, este conjunto de propostas não é, em si, problemático. Mas o silêncio em relação aos grandes temas que têm pautado o debate público das políticas educacionais desde a Constituição de 1988 torna o documento omisso diante dos verdadeiros desafios colocados para a educação brasileira. Logo, do ponto de vista político, imprevisível sobre suas consequências.
Desde a Constituição de 1988, passando pela LDB, pelo FUNDEF, PNE 2001/2011, FUNDEB, Lei do Piso Salarial Profissional Nacional, CONAE e PNE 2014/2024, o debate sobre política educacional tem se pautado nos seguintes desafios: 1) o princípio pedagógico da ampla formação cultural do educando; 2) a participação democrática da população na formulação e gestão das políticas; 3) a vinculação de receitas como garantia de financiamento regular da educação; 4) o reconhecimento e o combate às desigualdades entre as diferentes redes de ensino; 5) a necessidade de valorização do profissional da educação; 6) o planejamento de mais longo prazo que impulsione políticas de Estado e não simplesmente de governos. Independente dos avanços e retrocessos ao longo dos últimos 30 anos, estes pontos tem sido centrais no conflito que envolve o conjunto de agentes sociais comprometidos com a Educação Pública.
Por outro lado, o compromisso com esses marcos definidores do debate público foi rompido, recentemente, através da Emenda Constitucional 95, que estabeleceu teto de gastos para as políticas sociais e pela maneira anti-democrática como o governo ilegítimo de Michel Temer busca implementar a reforma do ensino médio e a BNCC do ensino fundamental, sem mencionar as destituições de conselheiros no CNE, o desmonte do Fórum Nacional de Educação e o esvaziamento político da CONAE. Neste ponto, pode-se começar a efetivamente analisar as diretrizes gerais de Geraldo Alckmin para educação. Pois, o seu silêncio sobre esses desafios é ensurdecedor.
No que diz respeito ao compromisso com o princípio pedagógico da ampla formação do educando, o documento ignora a especificidade pedagógica da educação infantil e a reintegra em uma perspectiva assistencialista junto aos outros serviços públicos. Da mesma maneira, o ensino técnico, tecnológico e universitário é tomado apenas pelo seu viés econômico, banalizando o papel societário do processo educacional.
Quanto à participação democrática no processo de formulação e gestão da política educacional, a omissão é total. Nada sobre participação e muito menos, sobre crítica aos desmontes da estrutura participativa que têm sido promovidos pelo atual governo ilegítimo.
Em relação a vinculação de receitas, a proposta do presidenciável do PSDB ignora, por completo, o debate sobre os limites de gastos sociais estabelecidos pela Emenda 95, que, como mostra estudo de Amaral (2017), fere os 25% de impostos para educação, assim como não assume o compromisso com o investimento de 10% do PIB de acordo com a meta 20 do PNE 2014/2024.
Diante das desigualdades entre as redes de ensino, a única conexão possível é com sua intenção de promover maior autonomia de Estado e Municípios, mas que, na prática, diante das abissais diferenças de capacidade de financiamento, promove apenas a perpetuação das desigualdades históricas. Mas, o mais grave, é que faz isso ignorando as mestas do PNE que implicam maior compromisso da União com o investimento em educação básica, maior aporte de recursos com a meta de 10% de investimento do PIB em educação, assim como a perspectiva do CAQ.
O investimento na formação do professor e a intenção de tornar a carreira docente uma carreira prestigiada é de se destacar, mas novamente se apresenta de forma genérica. O PNE 2014/2024 e a Lei do Piso Nacional são instrumentos legais já existentes para enfrentar estas questões. Qual a posição do candidato diante destes instrumentos e das metas estabelecidas pelos mesmos? O silêncio diante da legislação já existente e que regula as políticas de valorização docente é mais expressivo e significativo que as afirmações contidas nas diretrizes gerais.
Por fim, quando o documento afirma que pretende alfabetizar todas as crianças até 2027, mais uma vez vira as costas para o esforço histórico da sociedade brasileira e do próprio Estado brasileiro que já firmaram esta meta para 2024, através do PNE. Em outras palavras, descarta a política de Estado já estabelecida nos marcos legais.
Se, por se reduzir a uma simplificação de metas genéricas, um programa básico para um governo é de difícil análise, o silêncio do documento “Geraldo Alckmin Presidente – Diretrizes Gerais – Julho de 2018” sobre os principais temas que permeiam o ambiente educacional brasileiro obriga qualquer cidadão comprometido com a educação pública a ter desconfiança do mesmo. Para resumir, é difícil dormir com um silêncio desses.
Referência:
AMARAL, NELSON CARDOSO. Com a PEC 241/55 (EC 95) haverá prioridade para cumprir as metas do PNE (2014-2024)?. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro , v. 22, n. 71, e227145, 2017 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782017000.... acessos em 20 set. 2018. Epub 09-Out-2017. http://dx.doi.org/10.1590/s1413-24782017227145.