Entrevista com Marcos Dantas |representante CGI.Br

Confira entrevista com Marcos Dantas (professor titular da Escola de Comunicação da UFRJ), um dos três representantes da comunidade acadêmica no Comitê Gestor da Internet (CGI.Br).  

Qual sua opinião a respeito da consulta pública aberta para reavaliar a composição do comitê? Qual estratégia e interesses do governo atual é possível deduzir disto? Questões como "neutralidade da rede" e "consentimento do usuário" estariam em jogo?

O CGI é um espaço de formulação que articula e associa governo e sociedade, logo um espaço de apoio e aconselhamento ao próprio governo, nas decisões que precisa tomar sobre a internet. Por outro lado, o CGI tende a crescer de importância e influência na medida em que a própria internet torna-se essencial à vida cotidiana das empresas e de qualquer cidadão. Há um amplo conjunto de questões em disputa, refletindo as disputas normais na sociedade, questões que a constituição do CGI faz dele um poderoso espaço de interlocução e construção de políticas públicas. O CGI também ganha cada vez mais influência internacional, onde igualmente cresce o debate sobre um novo modelo de governo da internet que a libere do poder econômico, político e militar dos Estados Unidos. O CGI é visto internacionalmente como uma referência de organização democrática e participativa na gestão da internet. Por fim, mas não por último, o CGI administra um orçamento de R$ 120 milhões totalmente independente do Tesouro e suas políticas fiscais restritivas. É um dinheiro privado, receita auferida pelo NIC.br, pessoa jurídica de direito privado, pelo aluguel e gestão de nomes de domínio sob jurisdição brasileira. Ora, este governo atual vem buscando neutralizar todas as instâncias de participação da sociedade construídas ao longo dos últimos 25 anos, muitas delas desde o governo Fernando Henrique Cardoso, como é o caso, aliás, do próprio CGI. Este governo representa a ruptura do grande pacto social firmado na Constituição de 1988. Não tem projeto de país, algo que não se podia dizer nem dos militares golpistas de 1964. Por isto, quer enfraquecer interna e internacionalmente o CGI, razão pela qual decidiu reformulá-lo unilateralmente, sem consulta prévia aos representantes da sociedade.

Qual a importância de um comitê com diferentes representações?

Na complexa democracia contemporânea, vem-se buscando construir modelos que permitam aproximar mais os governantes e os governados, ainda que aqueles sejam eleitos por estes. Tenta-se ultrapassar o velho modelo plebiscitário no qual os eleitos, uma vez eleitos, tinham um período para mostrar serviço até alguma próxima eleição quando a sociedade avaliaria, a favor ou contra, a qualidade do serviço prestado. É positivo para a sociedade participar estreitamente dos processos decisórios, ao invés de apenas ser chamada de tempos em tempos para dar seu voto. É positivo para o governo contar com essa participação pois lhe permite permanecer mais próximo de seus eleitores, além de alimentá-lo com os processos que se dão na própria dinâmica social. A Constituição de 1988 consagrou a democracia participativa como componente da nossa democracia representativa. O CGI é uma experiência de democracia participativa. Uma vez por mês, sem considerar a intensa troca quase diária de e-mails entre os conselheiros, governo e representantes de segmentos da sociedade debatem olho no olho, os problemas da internet brasileira e mundial. As polêmicas e decisões não ficam encerradas em gabinetes fechados pois, via seus representantes, a sociedade pode acompanhar a evolução das agendas e argumentos. As atas do CGI são muito completas a esse respeito.

Você percebe pontos que realmente devem ser debatidos visando alterações no texto de 2003?

Certamente o CGI deve passar por processos permanentes de aperfeiçoamento, acompanhando a própria evolução e expansão da internet. Sabemos muito bem que a internet hoje já não é a mesma daquela que existia em 2003, nem no Brasil, nem no mundo. Devemos admitir que o CGI precisa se adequar à situação atual, em vários aspectos. Mas este debate deve nascer dentro do CGI. Qualquer um de nós, inclusive o governo, pode propô-lo. Como tudo o que debatemos no CGI, devemos sempre buscar construir uma plataforma consensada por todos que, então, poderia ser submetida a consulta pública e, daí, uma vez elaborado um projeto final, levada a decreto presidencial. Até o Marco Civil da Internet, um projeto muitas vezes mais complexo, foi construído assim. O governo atual atropelou deliberada e atrabiliariamente as práticas consagradas de debate e decisão no Comitê. Tínhamos fortes motivos para acreditar que, uma vez encerrada a sua consulta pública, num tempo de fazer inveja a Usain Bolt, ele editaria um decreto cuja minuta já deveria até estar pronta. Decidiria, unilateralmente, quais novos segmentos empresariais deveriam entrar para o Comitê, possivelmente enfraquecendo a participação da sociedade civil não empresarial e da Academia. Entre os segmentos empresariais que pressionam para vir a integrar o CGI, fala-se da Motion Pìcture Association of America (MPAA). Entidade estrangeira pode integrar o CGI? Penso que não. De qualquer modo, caso fosse mesmo esse o projeto, ao menos está adiado...

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