Entrevista com Carlos Roberto Jamil Cury (vice-presidente da SBPC)

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) deu posse a sua nova diretoria no dia 20 de julho. Presidida pelo físico Ildeu de Castro Moreira, a nova gestão tem entre seus vice-presidentes o professor Carlos Roberto Jamil Cury. Professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e docente da PUC-MG, o também associado da ANPEd foi presidente da CAPES em 2003 e membro do CTC da Educação Básica (2009-2011) da CAPES e da Comissão de Educação da SBPC.

Cury também é uma das presenças confirmadas para a 38a Reunião Nacional da ANPEd, na Sessão Especial "Ética na pesquisa em ciências humanas: polêmicas, constituição e finalidades", no dia 04 de outubro na UFMA, em São Luís do Maranhão.

Confira entrevista concedida pelo pesquisador ao portal da ANPEd.

Como o senhor avalia o papel histórico da SBPC na defesa da democracia e da pesquisa no Brasil?

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciências nasceu em uma conjuntura na qual o Brasil buscava recuperar a democracia, as liberdades e o bem-estar após a ditadura estadonovista. E, desde logo, em 1948, já se posicionava francamente contra qualquer discriminação  e, para levar adiante o progresso da ciência, bater-se-ia criticamente em relação a atos públicos que levassem à secundarização da importância da ciência e do papel dos cientistas. Aos poucos, a SBPC, além do repúdio à discriminação, discriminação esta vista como anti-científica, incorporou a defesa da democracia, de modo explícito, no final dos anos 70 e nos anos 80, ao se posicionar contra a ditadura e a favor da redemocratização. Um dos pontos altos foi a SBPC realizada na PUCSP, após a interdição governamental de realizá-la na UFC e na USP. As reuniões da SBPC passaram a ser um espaço livre de debates, como convém ao caráter democrático. 

Na conjuntura atual, quais os desafios para os pesquisadores brasileiros?

A construção da ciência, seja ela dentro de quaisquer das suas formalizações dentro do quadro proposto pelo CNPq, é um processo lento, moroso pelo cuidado metodológico e cujos resultados não se observam da noite para o dia. O 2o Plano Nacional de Pós-Graduação (Decreto n. 87814 de 1982) tem uma resposta para isso tão atual quanto o era então:

Apesar de todos os esforços, ainda persistem alguns dos problemas estruturais que dificultam a institucionalização e consolidação da pós-graduação. A excessiva dependência de recursos extra-orçamentários, a sujeição a repentinos cortes de verbas, a instabilidade empregatícia e profissional dos docentes, técnicos e pessoal de apoio, continuam sendo problemas básicos da pós-graduação atual. Estas dificuldades não impediram, no entanto, que o País alcançasse um grau de institucionalização da pesquisa e da pós-graduação que permite prever um volume e uma qualidade de produção consideráveis e crescentes. É dos centros de pós-graduação que procede hoje a maior parte do conhecimento produzido no País e uma contribuição significativa em algumas áreas de tecnologia avançada, equiparáveis ao que é produzido nas melhores universidades e centros de pesquisa estrangeiros. (...) Existe ainda a questão da incerteza no suprimento dos recursos. O laborioso e lento processo de formar e consolidar um grupo de pesquisas contrasta com a rapidez com que este se desintegra, diante dos desgastes causados pela irregularidade dos financiamentos, muitas vezes gerados pela lentidão no julgamento dos pedidos e na liberação dos recursos.

Qual a perspectiva de articulação da SBPC com as diferentes sociedades de pesquisadores?

Todo o estreitamento maior de articulação será bem vindo. Em épocas de crise, este estreitamento deve ainda ser maior. A ligação entre as associações e a SBPC deve ser como reza nossa Constituição a propósito de regime federativo: regime de colaboração.

Como o senhor, enquanto vice-presidente da SBPC, avalia os desafios para a defesa do PNE?

Todas as posições da SBPC, pela leitura dos documentos exarados, evidencia não só a ligação atávica a um de seus mais ardorosos defensores - Anísio Teixeira - como a um apoio às metas e estratégias lá estabelecidas. A educação escolar via educação básica deve ser a antessala da formação de cientistas. Daí a defesa sem rebuços deste Plano que, além de ser calcado em lei advinda de uma emenda constitucional, é estratégico para o hoje e o amanhã.

Como percebe o lugar da SBPC na defesa da escola pública? Em especial neste momento em que se retomam as propostas de cobrança de mensalidades das universidades públicas.

A escola pública é um compromisso institucional de qualquer associação de cunho científico. Ela é a acolhedora maior do direito à educação. A gratuidade do ensino público é um princípio constitucional e visa garantir direitos fundamentais. É certo que há dissenso com relação às atividades da pós-graduação lato sensu conceituadas pelo CNE como atividades de extensão. Cumpre aprofundar esta questão. Em abril deste ano, o STF entendeu que cobrar mensalidades não atenta contra o princípio do ensino, por 9 votos a 1. Pessoalmente entendo que tal decisão, sabendo-se que a Câmara não conseguiu os 308 votos necessários para o estabelecimento desta medida, abre um vão perigoso para um princípio tão caro às escolas públicas.

 

 

 

 

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