Entrevista com Adriano Larentes da Silva | O ensino por competências no México e o papel dos organismos internacionais | RBE V.23 | Janeiro

A partir de 2018, a Revista Brasileira de Educação passa a ter sua publicação de artigos e demais conteúdos em fluxo contínuo, com blocos mensais. A RBE adotou, desde outubro de 2017, a publicação avulsa e digital. Nesse novo formato, ampliou-se a quantidade de artigos publicados, bem como há mais agilidade em divulgar os artigos aprovados. Já está disponível o bloco de janeiro do volume 23 da Revista Brasileira de Educação, com cinco artigos no total, sendo três textos em português, um artigo em inglês e um em espanhol. 

Entrevistamos o autor do artigo "O ensino por competências no México e o papel dos organismos internacionais", Adriano Larentes da Silva, doutor em história pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professor do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). O pesquisador traz uma breve relação de sua pesquisa com a realidade brasileira atual. Confira:

Adriano Larentes da Silva

É possível comparar as atuais mudanças no ensino brasileiro - como a Reforma do Ensino Médio, a instituição da Base Nacional Comum Curricular e indicação do Banco Mundial de privatização do Ensino Superior - com a experiência mexicana?

Sim. Há inúmeras relações entre Brasil e México. Primeiramente é preciso enfatizar que estamos falando de uma “agenda globalmente estruturada para a educação”, como menciona Roger Dale, que vem sendo aplicada em dois países de capitalismo dependente. São reformas que dialogam diretamente com as proposições de diferentes organismos internacionais e que, em geral, são pautadas pelos interesses dos países mais ricos do mundo. Tanto no México como no Brasil essas reformas educativas são associadas a discursos de modernização e inovação. Nesse processo, atuam tanto atores internacionais quanto atores nacionais por meio de diferentes instituições e organizações. É interessante notar que tanto no México quanto no Brasil há um forte protagonismo do setor empresarial e dos meios de comunicação. No México, por exemplo, há uma organização não-governamental chamada Mexicanos Primero que atua de maneira semelhante ao Todos pela Educação no Brasil. Além disso, um dos canais de televisão mexicanos que ajudou a justificar as reformas educativas em 2012 e 2013 foi a Televisa. Nos dois países, as reformas têm apoio financeiro e suporte técnico-científico de organismos internacionais como o Banco Mundial, a OCDE e o BID. Ou seja, são diferentes atores que entram em cena para levar adiante um conjunto de reformas que, no caso dos dois países, acabam servindo especialmente aos interesses do grande capital.

Qual a preocupação em se estabelecer um ensino padronizado e que reduz a liberdade criativa dos docentes?

Essa também é uma relação que podemos estabelecer entre o Brasil e o México. Há cada vez mais uma preocupação em padronizar tudo. Porém, é uma padronização feita de cima para baixo. No caso estudado no México o que ocorreu foi a centralização das decisões educativas em espaços restritos, retirando dos docentes e da comunidade escolar o papel de pensar o currículo e processo pedagógico como um todo. Durante o trabalho de campo que fiz no México entrevistei uma pessoa que atuava em um escritório central e era responsável por “desenhar” o currículo de oito carreiras profissionais diferentes. Ele era um “desenhador de currículo”, ou seja, alguém que dizia o que deveria ser ensinado e como deveria ser ensinado nas escolas, mesmo sem conhecer a realidade delas. A preocupação em padronizar era tanta que o seu trabalho incluía dizer até quais deveriam ser os materiais e os instrumentos didáticos que os docentes deveriam utilizar em sala de aula. Nesse processo, os docentes transformam-se em meros executores de pacotes prontos. O que se busca, portanto, é um professor “prático”. E o que é mais grave, é um professor prático precarizado, como constatei no caso mexicano. Nessa busca por sistemas padronizados, que possam ser avaliados e pensados a partir de escritórios centrais, a pedagogia das competências foi e continua sendo a amálgama utilizada no processo de reformas. Como mostrei no artigo publicado no último número da RBE, trata-se de uma perspectiva tropicalizada ou adaptada à realidade mexicana, apresentada como algo novo e transformador, mas que se efetiva numa lógica instrumental, neocondutivista e neopragmática, alicerçada por condições precárias de trabalho docente. Para que as competências pudessem ser materializadas como se propõem haveria a necessidade de maior autonomia e melhores condições de trabalho docente. Porém, no caso mexicano, isso não acontece. Estamos diante de algo bastante preocupante, pois a criatividade e a inovação caminham juntas com a autonomia e com o diálogo com as realidades locais e podem ser estimuladas pelo caráter artesanal que o trabalho docente tem.

3.   A partir da pesquisa realizada, qual a importância do fortalecimento das relações políticas entre os países da América Latina como forma de resistência?

Essa é uma pergunta fundamental, pois assim como há uma articulação internacional para tentar impor um modelo educativo na lógica do grande capital, é necessário que haja também uma resistência “globalmente estruturada”. Nesse processo, o papel do movimento sindical, das organizações de pais, estudantes e trabalhadores da educação e das universidades é decisivo. Um primeiro passo é compreender melhor como atuam os reformadores nacionais e internacionais e desvelar o que a professora Eneida Shiroma chamou de “redes sociais de hegemonia”. Há muitos atores e interesses envolvidos e não há como entender as mudanças nas políticas educativas fora dos embates políticos, dos interesses econômicos e dos debates sobre os rumos que se quer para cada país. Infelizmente, tanto no México como no Brasil o estado e especificamente as políticas educativas têm sido impregnados por uma lógica empresarial que tentam reduzir o direito de todos a uma formação sólida e verdadeiramente transformadora. Nesse cenário cabe aos diferentes movimentos organizados continuar lutando contra esse modelo educativo que, sob o discurso da modernidade, vai aos poucos retirando da escola e de outros espaços educativos o seu papel formador e libertador.

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