Carta à Prefeitura Municipal de Porto Alegre: A Educação de Jovens e Adultos como um Direito

CARTA À PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE

A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS COMO DIREITO

O tema central que está sendo abordado pelos Fóruns de EJA em seus encontros municipais, regionais e nacional é a reflexão e a avaliação dos vinte anos da modalidade na LDB sob ponto de vista legal e a ação prática. Nunca tal proposta se fez tão apropriada quanto neste momento em que, de Sul a Norte do país, a política neoliberal promove um desmonte dos avanços que se conquistou até aqui.

Neste paralelo entre as conquistas obtidas através da legislação e a sua efetiva aplicação estão, de um lado, o poder público constituído e o quanto este tem reconhecido os direitos constantes na lei, e de outro, as forças da sociedade civil organizada, associadas a essa modalidade de ensino, representadas por diferentes segmentos, e o quanto promoveram de avanços na aplicação dos direitos assegurados.

Neste contexto é que destacamos a atual realidade vivenciada pela Educação de Jovens e Adultos na cidade de Porto Alegre. Com um histórico de reconhecimento como um direito inerente à população e a busca do cumprimento com todas as precariedades que sabemos comuns à modalidade, a atual administração municipal cancelou as matrículas para EJA através de sistema próprio sob o argumento de concentrá-las em um único lugar, o Centro Municipal de Educação dos Trabalhadores Paulo Freire (CMET), localizado em área central da cidade, sob alegação de efetuar um levantamento da demanda. Ao reduzir de 33 unidades para uma escola somente a oferta, nada mais faz do que restringir o acesso e coibir o atendimento da demanda. Demanda essa que atinge no país a 43% da população e que em Porto Alegre, atualmente, é de mais de 7 mil cidadãos e cidadãs, sendo que mais de 300 mil pessoas acima de 15 anos de idade não têm o Ensino Fundamental, conforme dados do Censo IBGE.

Não seria demais relembrar ao poder público de Porto Alegre alguns trechos da LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL/1996

“O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria” (Título III, Do Direito à Educação e do Dever de Educar, Art. 4º, inciso I). “o acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão... e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo.”. (Art. 5º).

“Compete aos Estados e Municípios, em regime de colaboração, ... I – recensear a população em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso; II – fazer-lhes a chamada pública; III – zelar, ... pela freqüência à escola. (Art. 5º, parágrafo 1º)

Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade”. (Art. 5º, parágrafo 4º).

Logo, temos aqui não só a base do direito consagrado, como o estabelecimento das responsabilidades do seu não atendimento.

Submetemos ainda à apreciação dos gestores municipais, outros componentes da legislação como:

PARECER CNE/CEB Nº 11/2000 e RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 01/2000 - Estabelecem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos;

O Parecer nº 11/2000, que serviu de base para a Resolução CNE/CEB nº 01/2000, traz uma importante explanação, a qual deixa claro o entendimento sobre o direito subjetivo. Segundo Cury,

“a Constituição Federal do Brasil incorporou como princípio que toda e qualquer educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. [...] este princípio abriga o conjunto das pessoas e dos educandos como um universo de referência sem limitações. Assim, a Educação de Jovens e Adultos, modalidade estratégica do esforço da Nação em prol de uma igualdade de acesso à educação como bem social, participa deste princípio e sob esta luz deve ser considerada. Estas considerações adquirem substância não só por representarem uma dialética entre dívida social, abertura e promessa, mas também por se tratarem de postulados gerais transformados em direito do cidadão e dever do Estado até mesmo no âmbito constitucional, fruto de conquistas e de lutas sociais. [...] O ensino fundamental obrigatório é para todos e não só para as crianças. Trata-se de um direito positivado, constitucionalizado e cercado de mecanismos financeiros e jurídicos de sustentação. A titularidade do direito público subjetivo face ao ensino fundamental continua plena para todos os jovens, adultos e idosos, desde que queiram se valer dele. [...] Direito público subjetivo é aquele pelo qual o titular de um direito pode exigir imediatamente o cumprimento de um dever e de uma obrigação. Trata-se de um direito positivado, constitucionalizado e dotado de efetividade. O titular deste direito é qualquer pessoa de qualquer faixa etária que não tenha tido acesso à escolaridade obrigatória. Por isso é um direito subjetivo, ou seja, ser titular de alguma prerrogativa é algo que é próprio deste indivíduo. O sujeito deste dever é o Estado no nível em que estiver situada esta etapa da escolaridade. Por isso se chama direito público pois, no caso, trata-se de uma regra jurídica que regula a competência, as obrigações e os interesses fundamentais dos poderes públicos, explicitando a extensão do gozo que os cidadãos possuem quanto aos serviços públicos. Assim o direito público subjetivo explicita claramente a vinculação substantiva e jurídica entre o objetivo e o subjetivo. Na prática, isto significa que o titular de um direito público subjetivo tem asseguradas a defesa, a proteção e a efetivação imediata do mesmo quando negado. Em caso de inobservância deste direito, por omissão do órgão incumbido ou pessoa que o represente, qualquer criança, adolescente, jovem ou adulto que não tenha entrado no ensino fundamental pode exigi-lo e o juiz deve deferir imediatamente, obrigando as autoridades constituídas a cumpri-lo sem mais demora [...] Ao exercício deste direito corresponde o dever do Estado na oferta desta modalidade de ensino dentro dos princípios e das responsabilidades que lhes são concernentes”.

Este mesmo Parecer, dispõe ainda sobre as funções da modalidade EJA, dentre as quais destacamos:

Função Reparadora – “Dívida social não reparada para os que não tiveram acesso e nem domínio da escrita e leitura como bens sociais, na escola ou fora dela”. Trata-se de “um dos fins da EJA porque reconhece o advento para todos deste princípio de igualdade”, restaurando “um direito negado e o reconhecimento da igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano”, promovendo assim, o “término de uma discriminação” através do reconhecimento do direito a uma escola de qualidade.

As deliberações dos Encontros Nacionais de Educação de Jovens Adultos e idosos e o Documento do GT do Redimensionamento formado pelos Fóruns de EJA do Brasil, pela Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), pela Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens, adultos e idosos (CNAEJA) e pelo Fórum Nacional de Educação (FNE), apontam como uma das pautas nacionais da EJA a urgência de “Chamada Pública aos educandos para a EJA, de alfabetização e de continuidade de estudos, feita pelo Gestor, por meio de propaganda na TV a ser divulgada em horário nobre; em rádio em horários adequados; sites oficiais; durante jogos de futebol; pelos Correios por meio de Carta Social, bem como divulgação feita por lideranças religiosas (padres, pastores, pais de santo...), com maior intensidade no início de cada semestre e continuidade ao longo do ano, evidenciando que as matrículas na EJA são contínuas” e que traga visibilidade a esta modalidade de ensino enquanto possibilidade de escolarização que possa contribuir com a emancipação dos seus sujeitos.

Assim sendo, as entidades representadas no Fórum Estadual de Educação de Jovens e Adultos do RS, endossadas pelos que subscrevem esta Carta, manifestam sua discordância e contrariedade às medidas adotadas pela Prefeitura de Porto Alegre, mais especificamente pela Secretaria Municipal de Educação, entendendo que na prática as mesmas inviabilizam o acesso à modalidade EJA, negando assim um direito, e solicitam a imediata liberação das matrículas através do respectivo sistema operativo, diretamente nas escolas, mantendo a oferta, a disponibilidade das vagas da forma mais acessível aos sujeitos que necessitam, restabelecendo e reconhecendo assim um direito que, na prática, por ora, está sendo negado, mais uma vez, pois já o tiveram negado quando eram crianças e adolescentes.

É fundamental cessarmos o fechamento de turmas de EJA, pois estamos tratando com TRABALHADORES QUE ESTUDAM e não com estudantes que, às vezes, trabalham.

Assinam:

1. Fórum de EJA do RS
2. Associação Brasileira de Currículo – ABDC
3. Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação – FINEDUCA
4. Associação Nacional de Política e Administração da Educação - ANPAE
5. Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED
6. Campanha Nacional pelo Direito à Educação
7. Central Única dos Trabalhadores – CUT
8. Centro de Estudos Educação e Sociedade – CEDES
9. Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino – CONTEE
10. Federação de Sindicatos dos Trabalhadores em Universidades Brasileiras – FASUBRA
11. Federação Sindical dos Auxiliares de Administração Escolar de Minas Gerais – FESAAEMG
12. Federação dos Trabalhadores em Estabelecimento Ensino - FETEERJ
13. Fórum de EJA AC
14. Fórum de EJA AL
15. Fórum de EJA AM
16. Fórum de EJA AP
17. Fórum de EJA BA
18. Fórum de EJA DF
19. Fórum de EJA RO
20. Fórum de EJA RR
21. Fórum de EJA SP
22. Fórum de EJA TO
23. Fórum de EJA CE
24. Fórum de EJA ES
25. Fórum de EJA GO
26. Fórum de EJA MA
27. Fórum de EJA MG
28. Fórum de EJA MS
29. Fórum de EJA MT
30. Fórum de EJA PA
31. Fórum de EJA PB
32. Fórum de EJA PE
33. Fórum de EJA PI
34. Fórum de EJA PR
35. Fórum de EJA RJ
36. Fórum de EJA RN
37. Fórum de EJA SC
38. Fórum de EJA SE
39. Fórum Estadual de Educação de São Paulo
40. Fórum Estadual de Educação do Rio de Janeiro/FEERJ
41. Fórum Nacional de Diretores de Faculdades Centro de Educação ou Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras - FORUMDIR
42. Movimento Interfóruns da Educação Infantil do Brasil – MIEIB
43. Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos da UFMG - NEJA/UFMG
44. Sindicato dos Servidores da Educação Básica e Tecnológica do Rio Grande do Norte - Sinasefe Seção Natal
45. Sindicato dos trabalhadores técnico-administrativos das Instituições Federais de Ensino de Rio Grande/RS - APTAFURG-Sindicato
46. União Brasileira de Estudantes Secundaristas – UBES