Carta Aberta | A UENF à beira de um colapso e os desafios para que ela sobreviva

A Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) passa por uma situação crítica, correndo o risco de fechar as suas portas devido ao descaso do governo estadual em repassar a verba necessária para o seu funcionamento. Diante dessa situação, especialmente por a universidade ter passado aproximadamente cinco meses em greve, sem sucesso nas negociações, houve insistência para serem ouvidos.

Para dar continuidade à luta foi elaborada uma CARTA ABERTA expondo a situação da universidade. Leia abaixo a referida carta.

 

                                                                                              A UENF à beira de um colapso e os desafios para que ela sobreviva

A Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), fundada em Campos dos Goytacazes no ano de 1993, encontra-se atualmente na pior crise de sua história.  Proposta por iniciativa dos movimentos sindicais, de lideranças políticas regionais, da imprensa local e, sobretudo, da população campista, que realizou um abaixo-assinado que reuniu quase 8.000 assinaturas ao longo do ano de 1989, a UENF se tornou a primeira universidade pública do Norte Fluminense.

O governador Leonel Brizola, eleito em 1990, designou o antropólogo Darcy Ribeiro responsável pela implantação da UENF. Este instaurou na nova universidade um modelo inovador com uma estrutura apoiada em laboratórios de pesquisa e não departamentos, de modo que os alunos de graduação estivessem articulados aos projetos dos professores. Em função disso, a UENF foi a primeira universidade brasileira a ter um corpo docente integralmente composto por doutores atuando em regime de dedicação exclusiva. Além disso, Darcy Ribeiro apontou a importância de a UENF promover o desenvolvimento local e possibilitar a formação de recursos humanos especializados na região Norte Fluminense e entorno. 

Atualmente, a UENF consolida-se como uma instituição de excelência, destacando-se tanto no ensino quanto na pesquisa e na extensão. No âmbito do ensino, possui 19 cursos de graduação em diferentes áreas (engenharias, agrárias, humanas e biológicas), dentre os quais destaca-se o de Engenharia do Petróleo, o primeiro do tipo do país e de grande importância para a região. Na pós-graduação, a UENF conta com 16 programas strictu sensu e 01 lato sensu, nos quais foram defendidos 1.833 dissertações de mestrado e 694 teses do doutorado.

A Universidade também atua fortemente na formação de professores, tendo aderido ao Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR/CAPES em seu lançamento no ano de 2009, contando atualmente com cinco cursos na área de licenciatura.

Além disso, a UENF também oferece três cursos semipresenciais: licenciatura em Ciências Biológicas, com 2810 alunos, sendo 1881 ativos; licenciatura em Pedagogia, com 751 alunos, sendo 608 ativos e licenciatura em Química, com 462 alunos, dos quais 241 ativos.

É importante destacar que em 2003, a UENF, juntamente com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) também foi pioneira na implantação das ações afirmativas por meio da Lei Estadual nº. 4.151, que instituiu reserva de vagas para o ingresso de alunos pretos e pardos nas universidades estaduais do Estado do Rio de Janeiro. A partir de 2015, as políticas de ações  afirmativas, na modalidade de cotas, também foram estendidas para a pós-graduação.

As atividades de pesquisa na UENF tiveram como resultado mais de 1.900 artigos publicados no triênio 2013-2015, numa média de 6,2 artigos por professor no período, além da publicação de livros e capítulos de livros. A UENF reúne, ainda, 73 Grupos de Pesquisa cadastrados no CNPq e quase um terço de seu corpo docente possui bolsas de Produtividade em pesquisa do CNPq), com 23 Bolsistas Produtividade em Pesquisa nível 1 (PQ1 CNPq), 46 Bolsistas Produtividade em Pesquisa nível 2 (PQ2 CNPq) e 3 bolsistas em Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora (DT-2 CNPq). No âmbito da Faperj, a instituição conta com 9 professores Jovens Cientistas do Nosso Estado (JCNE-Faperj) e 25 Cientistas do Nosso Estado (CNE-Faperj).

No que concerne ao corpo discente, em julho de 2016 atuavam no Programa de Iniciação Científica e Tecnológica 287 bolsistas. O Programa conta com cota de 169 bolsas CNPq, sendo 142 de Iniciação Científica, 13 delas provenientes de Ações Afirmativas (CNPq-AF) e 27 de Iniciação Tecnológica, e 118 bolsas UENF/FAPERJ, distribuídas entre os centros da UENF.

Por sua vez, em 2015, a Pró-Reitoria de Extensão contemplou 115 projetos,  alcançando mais de 60 mil pessoas das regiões de abrangência. Desse total, quase 40 mil pessoas participavam de atividades relacionadas ao meio-ambiente e à saúde. O número de discentes e bolsistas do programa Universidade Aberta envolvidos nestes projetos neste ano perfazia um total de 354 participantes.

O CCH acolheu nos últimos dois anos um importante projeto em parceria com a Petrobrás e o Ibama. Trata-se certamente do maior projeto em Educação Ambiental no âmbito do Licenciamento Ambiental em curso no mundo e envolve 11 municípios na Bacia de Campos.

Ainda no âmbito da extensão, a Uenf conta ainda com o Hospital Veterinário/HV, referência para toda região norte e noroeste fluminense. A média diária de atendimento de rotina é de 40 animais de diferentes espécies por dia. São pelo menos 15 projetos em curso no âmbito do HV: controle populacional de animais de pequeno porte das comunidades carentes ou direcionados ao atendimento clínico de animais de tração no município e controle de doenças transmissíveis (zoonoses). O HV também responde pela manutenção e pelos cuidados com os animais silvestres apreendidos nas ações dos órgãos ambientais.

Por fim, a Casa de Cultura Villa Maria constitui um dos mais importantes bens do patrimônio cultural do município, atuando na promoção de atividades relacionadas à arte e à cultura consolidando a interlocução com outras universidades e instituições de cultura na cidade de Campos dos Goytacazes e região.

Esse conjunto de iniciativas teve como resultado a classificação da UENF como a 11a. melhor universidade do Brasil, melhor do estado do Rio de Janeiro e a 2ª melhor entre as estaduais do país segundo o IGC/MEC relativo ao ano de 2013. Manteve-se, ainda, entre as 15 melhores universidades brasileiras desde que esse índice foi criado, em 2008.

Dessa forma, não temos dúvida da importância da UENF para a região na qual está inserida. Além das atividades de ensino que formam profissionais e cidadãos, suas atividades de pesquisa e extensão fomentam o desenvolvimento da economia regional e a melhoria da qualidade de vida de sua população.

Contudo, essa função se vê, no momento, comprometida pela falta de recursos orçamentários e condições de trabalho adequadas e pelos sucessivos atrasos no pagamento de salários de professores, técnicos administrativos e trabalhadores terceirizados.

 As constantes ameaças no corte de luz e de água, assim como dos gases essenciais à pesquisa e manutenção de material biológico e equipamentos por falta de pagamento às concessionárias e empresas, colocam em risco as importantes contribuições científicas que a UENF tem dado ao país nos últimos 23 anos.

Há risco de prejuízos incalculáveis relacionados à perda de material biológico de grande importância, como amostras genéticas de animais e vegetais; banco de DNA humano; colônias de insetos; banco de sementes de espécies cultivadas e não cultivadas; amostras coletadas ao longo de 15 anos de pacientes com tuberculose, hanseníase e toxoplasmose, fundamentais na pesquisa pela descoberta de novos medicamentos. A perda desse material biológico é incalculável do ponto de vista econômico, implicando um verdadeiro retrocesso na ciência e no progresso humano.

A falta de manutenção adequada pode ainda levar à perda de equipamentos de alto valor econômico para o desenvolvimento de pesquisas avançadas. Estes equipamentos necessitam de energia elétrica e de ambientes climatizados para seu funcionamento. O desligamento destes equipamentos também incide em um alto custo para a sua calibragem e retomada das atividades. Alguns deles também necessitam da alimentação de gases de forma constante para sua adequada manutenção.

É o caso do aparelho de Ressonância Magnética Nuclear (RMN), único na região norte e noroeste fluminense, que vale 447.000,00 € (o equivalente a R$ 1.824.970,00). O aparelho requer para sua conservação e perfeito funcionamento da injeção semanal de 50 litros de nitrogênio líquido e, a cada seis meses, 100 litros de hélio. A ausência desses gases líquidos causa a desmagnetização do imã supercondutor, além de outros problemas que podem levar à perda do equipamento.

Outros equipamentos que terão seu funcionamento e calibragem afetados colocando em risco importantes pesquisas realizadas no âmbito da pós-graduação são: Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV); Radar Meteorológico do Instituto Estadual de Ambiente (INE) – cuja aquisição de dados vem sendo realizada continuamente há mais de 10 anos; aparelho de Ressonância Paramagnética Eletrônica (RPE); espectrofotômetro fotoacústico de alta sensibilidade; ICP OES; Cromatografos; Difratômetros; Permeâmetros. Muitos reagentes também precisam ser guardados em baixas temperaturas, o que demanda refrigeradores e a alimentação com energia elétrica.

Assim, a ausência de energia elétrica e gases não afetam, portanto, apenas o pleno exercício das atividades docentes que se desenvolvem nos laboratórios, mas também as atividades de extensão e as pesquisas que são desenvolvidas na Universidade. A condução dos experimentos exige condições de luz e temperatura controladas (lâmpadas fluorescentes e aparelhos de ar condicionado). Além disso, muitas destas pesquisas estão realizadas a convênios com outras instituições como a Petrobrás, a Statoil e a Galp, o que incide sobre um setor produtivo de grande importância na região.

A crise que as universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro – UENF, UERJ e UEZO - hoje vivem relaciona-se com o contingenciamento das verbas relacionada ao seu custeio. A dotação do estado para o funcionamento da Uenf para o ano de 2015 foi de R$ 71.324.062,00. No entanto, o governo do estado repassou somente R$ 31.442.64,73 ao longo do ano de 2015, encerrando os repasses no mês de outubro. Desde então não foi repassado à Universidade nenhum recurso para cobrir as contas remanescentes de 2015 nem referentes ao ano de 2016.

 Em suma, desde outubro de 2015 a Uenf não consegue pagar nenhuma conta de luz, água, manutenção do serviço de gases, segurança etc que, como vimos, são fundamentais ao seu funcionamento. 

O Governo do Estado do Rio de Janeiro alega estar em crise fiscal para não honrar seus compromissos com a Universidade, ainda que encontre recursos para ampliar seus gastos de forma seletiva. Inclusive, concedeu recentemente isenções fiscais a empresas como cervejarias, joalherias, fabricantes de automóveis de luxo e fornecedoras de outros bens e serviços supérfluos. Com isso, pesquisas de grande relevância social encontram-se ameaçadas, bem como a própria subsistência dos pesquisadores envolvidos nos projetos.

A pauta dos docentes acordada em assembleia da categoria destaca que as seguintes demandas sejam atendidas: o pagamento no terceiro dia útil (como determinou o  Ministro do STF Ricardo Lewandowski); o não parcelamento de salários; o não congelamento dos mesmos e reposição salarial; o não aumento do Rioprevidência (de 11 para 14% numa crescente até 2018 de 22%), a manutenção do orçamento da FAPERJ; o pagamento imediato das verbas de custeio da Uenf; e a rejeição ao PLP 257/2016. 

Além disso, exige-se a liberação da verba mensal de 3.000.000,00 (três milhões de reais) para custeio e pagamento de bolsas para que a universidade volte a funcionar normalmente e haja a regular manutenção dos serviços básicos de limpeza, segurança e pagamento das dívidas com água, luz e telefone, bem como a aquisição dos insumos necessários às pesquisas em curso, que estão pendentes desde outubro de 2016, além do pagamento adicional de periculosidade e insalubridade. Foi também destacada entre os docentes a preocupação com a segurança nos campi, especialmente onde há cursos noturnos, pois, sem a liberação do pagamento de custeio não há como garantir a segurança de alunos, servidores, técnicos e do patrimônio da Universidade.

A sociedade campista, principal beneficiária das ações da UENF, reconheceu a importância da Universidade aderindo a um abaixo-assinado proposto pela ADUENF no primeiro semestre de 2016, quando foram coletadas aproximadamente 15 mil assinaturas.

Assim como no abaixo-assinado que deu origem à UENF, esperamos que nossas reivindicações sejam atendidas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro para que o sonho de uma universidade pública, gratuita e de qualidade no Norte e Noroeste fluminense não se perca, pois os prejuízos serão incomensuráveis para toda a comunidade universitária e para a sociedade em geral.

Docentes da UENF
Campos dos Goytacazes, agosto de 2016